Enquanto a gente via os jogos

Eugénio Silva — 26 Junho 2008

Fartei-me das bandeirinhas. Tinha uma, ainda do Euro 2004, mas nem a desenrolei. Ainda por cima, com a televisão avariada fiquei murcho. Tive de pedir ao Santiago para ir lá a casa ver os jogos. Esse então, foi na conversa do Scolari, comprou uma bandeira de todo o tamanho, pendurou-a na janela, e alugou por um mês a SporTV. Passou os dias pregado ao televisor.

As nossas conversas foram de surdos. Ouvi na rádio a luta dos pescadores e avisei-o: Ó Santiago, já sabes?, não vai haver peixe. E ele: Este Nuno Gomes falha golos que até mete raiva – o que é que disseste? E eu: Nada, nada.

Depois foram os camionistas e achei melhor dizer-lhe: Ó Santiago, estes tipos não são de modas, são os espanhóis, são os franceses, são os portugueses. E ele, sem tirar os olhos do ecrã: os franceses acho fracos este ano, os espanhóis talvez lá vão, agora nós com estes gajos a falhar golos desta maneira…
E eu: Homem, estou a falar dos camionistas, daqui a dias não vai haver nem gasolina nem comida, vais ver. E ele: é pá, por mim, com umas cervejolas e um bocado de pão com azeitonas está a andar. Não é isso pá, o país está praticamente parado, eles estão cheios de razão, isto não pode continuar assim. E ele: deixa-os lá, é assunto deles, os jogos não vêm de camião, fica descansado. Não é isso, Santiago. Então o que é? Nada, esquece. Fui-me embora sem vontade de voltar.

Depois do jogo com a Alemanha, diz-me ele: então não foste lá a casa ver o jogo? Já adivinhavas que íamos perder, não? E eu: Não foi por isso – soube que morreram dois tipos. E ele: Onde, nas bancadas? Não pá, na luta dos camionistas, um cá e outro em Espanha, atropelados por fura-greves. Quando? Enquanto a gente via os jogos. E ele: hã?


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