As Benevolentes
Livro de Jonathan Littell, edições D. Quixote
António Louçã — 23 Junho 2008
Jonathan Littell levou cinco anos a investigar o tema e a escrever o livro. Daí resultaram quase 900 páginas na edição portuguesa, escritas com grande rigor, sobre o labirinto burocrático do nazismo, o seu modo de funcionamento, os tiques de linguagem dos seus serventuários, as intrigas, os cargos, as funções, as pessoas. Do mesmo modo, o autor sabe do que fala ao retratar os problemas com que se debatia a máquina do genocídio: as primeiras execuções em massa, o trauma psicológico que era para os carrascos o terem de matar a curta distância, depois os gaseamentos em carros fechados e, em breve, Auschwitz e os outros campos de extermínio. Ou o problema de Speer: querer extrair dos prisioneiros todo o trabalho possível, enquanto Eichmann tudo fazia para liquidá-los imediatamente.
E, apesar da erudição sufocante da obra, o oficial das SS Maximilien Aue é um fio condutor que nos prende à narrativa. Jovem, inteligente, culto, ambicioso e sem escrúpulos, Aue é um típico trepador de aparelho, aparentemente fadado aos mais altos voos. A sua carreira não é posta em xeque pela quase assumida homossexualidade, nem pelo incesto com a irmã ou o homicídio da mãe e do padrasto, com laivos de tragédia grega incrustada no Holocausto. Quando muito, poderá ser-lhe fatal um daqueles caprichos de um superior hierárquico, mal-humorado no dia em que decide enviá-lo para Estalinegrado. E poderá salvá-lo um outro acaso igualmente caprichoso – estar ferido, em coma, e haver lugar para evacuá-lo no último avião que escapa entre os dedos da ofensiva soviética.
É verosímil a psicologia que Littell atribui ao seu protagonista: que outra coisa poderia alegar em sua defesa um criminoso de guerra, senão que houve e continua a haver outros crimes, noutras guerras? E quem perderia o tempo a tentar explicar-lhe que esse não é um denominador comum a todos os seus “irmãos humanos”, e sim uma marca distintiva do imperialismo, que teve na barbárie nazi a sua expressão mais concentrada?