A directiva da vergonha

M. Gouveia — 23 Junho 2008

imigrantes72dpi.jpgDepois de ter sido aprovada por unanimidade pelos ministros dos Assuntos Internos europeus, foi agora aprovada pelo Parlamento Europeu a chamada Directiva do Retorno, que pretende harmonizar, a nível comunitário, as regras para o repatriamento de imigrantes ilegais. Com 369 votos a favor, entre os quais 34 “socialistas”, um deles português (Sérgio Sousa Pinto). Das 109 abstenções, 49 também foram de “socialistas”.
Basta um olhar por alguns artigos para ficarem claros a hipocrisia e o cinismo desta directiva e a razão por que é chamada a “directiva da vergonha”.

A directiva discrimina oito milhões de cidadãos indocumentados criando as condições para a sua expulsão. Mas depois recomenda aos Estados-membros que executem as disposições “sem qualquer discriminação em razão do sexo, raça, cor, etnia ou origem social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual”.

Se um imigrante estiver em processo de renovação dos documentos o Estado-membro ponderará a hipótese de se abster de emitir uma decisão de regresso até que o processo esteja concluído”.

A directiva visa estimular o repatriamento… voluntário, e prevê, claro, “medidas coercivas” se houver resistência. Generosamente, porém, recomenda que “tais medidas deverão ser proporcionadas e a utilização da força não deverá ultrapassar os limites do razoável.”
Depois de repatriado, o imigrante indocumentado fica interdito de entrar de novo por um período “em princípio” não superior a cinco anos – determinação esta que constitui obstáculo, por exemplo, à reunificação familiar e aos pedidos de asilo. Acresce ainda que aquela interdição poderá ser superior a cinco anos “se o nacional de país terceiro constituir uma ameaça grave à ordem pública, à segurança pública ou à segurança nacional”.

A detenção, para pessoas que não cometeram qualquer crime, “será ordenada pelas autoridades administrativas ou judiciais”, tendo assim sido recusadas as emendas que punham termo à detenção administrativa. É ainda estabelecido que cada Estado-membro “fixará um período limitado de detenção, que não poderá exceder os seis meses”. Mas a seguir, sempre que se preveja que a operação de afastamento “dure mais tempo”, admite-se a detenção por “outros doze meses”.

A detenção deverá ter lugar em “centros especializados” (que sabemos o que são!). Mas, se um Estado Membro “não tiver condições” para assegurar a detenção num centro especializado pode “recorrer a um estabelecimento prisional”. Aí, recomenda-se o melhor dos mundos: os detidos “ficarão separados dos presos comuns” e os menores detidos “deverão ter a possibilidade de participar em actividades de lazer, nomeadamente em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade”

“Devíamos ter vergonha destas medidas securitárias, xenófobas e racistas”, afirma Timóteo Macedo, responsável da Associação Solidariedade Imigrante – SOLIM. Devíamos ter vergonha desta Europa, dizemos nós.


Comentários dos leitores

lucio 28/6/2008, 20:22

Editorial do Jornal "O Estado de São Paulo" sobre o tema. A quem possa interessar:
http://www.estado.com.br/editorias/2008/06/21/edi-1.93.5.20080621.3.1.xml


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