O que está em jogo no protesto dos pescadores e dos camionistas?
12 Junho 2008
Na luta dos pescadores e agora dos camionistas misturam-se interesses distintos de patrões, de trabalhadores por conta própria e de assalariados. De resto, os termos gerais usados pela comunicação social para designar os intervenientes – “pescadores” e “camionistas” – mascara as diferenças sociais presentes no protesto. E o termo “greve” mascara também o facto de se tratar sim de um lockout dos patrões da pesca e dos transportes rodoviários com o apoio dos trabalhadores propriamente ditos.
Ora, essa mistura não aproveita aos trabalhadores. Basta ver como os pescadores assalariados e os pescadores por conta própria serviram de tropa de choque dos armadores para erguer e dar peso ao protesto, forçando o governo a negociar; e, logo a seguir, foram mandados para o mar, sem que para eles nada mudasse, assim que os empresários obtiveram umas quantas garantias do governo.
Esta dependência valeu aos pescadores portugueses recriminações por parte dos seus colegas espanhóis que os acusaram de terem abandonado a luta por nada, a não ser a fome que já passavam antes. A ira dos pescadores espanhóis viu-se no corte que fizeram da ponte do Guadiana, em Ayamonte. O mesmo está a acontecer nos transportes e pode redundar em resultado semelhante.
É o agravamento da crise económica, no caso a subida vertiginosa dos combustíveis, que acirra a competição entre pequenos e grandes capitais e que empurra todas as classes para o protesto. Os trabalhadores porque, vendo as empresas em risco, querem assegurar o emprego; os trabalhadores por conta própria porque procuram defender-se do esmagamento pelas grandes empresas; e estas porque querem manter ou mesmo subir as margens de lucro.
Mas, nesta luta aparentemente comum, as saídas pretendidas são diferentes: a baixa do preço do combustível que é reclamada não vai traduzir-se nem em melhores salários nem em baixa de preços dos produtos, mas sim em maior margem de lucro dos capitais. Basta ver como as reivindicações se limitam à questão dos custos dos transportes ou do pescado decorrentes do preço dos combustíveis – e de salários nem se fala.
A crise vai (e está a ser explicitamente aproveitada para) liquidar boa parte dos pequenos empresários e dos trabalhadores artesanais, quer na pesca quer nos transportes rodoviários. Na linguagem do capital, trata-se de criar empresas “competitivas”. Ora, isso significa liquidação de boa parte das empresas mais pequenas ou mais fracas, proletarização dos trabalhadores individuais, reforço das empresas maiores com concentração do capital – e despedimentos em números consideráveis.
Os assalariados dos dois sectores entram no protesto porque temem perder o emprego.
De facto, os seus empregos estão ameaçados por eventuais falências e é por isso que se colocam ao lado dos patrões neste protesto. Mas de nada lhes servirá essa união de circunstância se não aproveitarem a luta para colocarem as suas exigências como assalariados: melhores condições de trabalho, salários mais altos, garantias de emprego, etc. – as mesmas que, pelo menos nas lutas dos camionistas, têm sido levantadas. Por que não fazê-lo agora quando os patrões estão entalados e precisam do apoio dos trabalhadores?
Não o fazendo, é de prever que saiam da luta em posição mais fraca que antes. Na melhor das hipóteses podem ajudar a adiar as falências, mas não as evitarão, e acabarão despedidos mais tarde. Porque impedir as falências não depende da sua vontade – e se dependesse seria à custa de aceitarem piores condições de trabalho.
Atente-se nisto: do acordo estabelecido entre o governo e a ANTRAM (a associação dos patrões dos transportes de mercadorias) faz parte a criação de um grupo de trabalho para “adaptar a legislação laboral do sector”, principalmente para rever as cargas horárias máximas previstas pela lei – o que só pode significar a legalização das brutais horas de trabalho que já são de facto impostas aos motoristas.
Em vez de seguirem a reboque da luta, os trabalhadores portugueses de ambos os sectores deviam passar para a frente. Consegui-lo-iam fazendo corpo com os colegas espanhóis e outros. O protesto, pela sua origem, tem carácter internacional e esse factor, se aproveitado em pleno, reforçaria a capacidade de luta dos trabalhadores de cada país.
O silêncio, as meias palavras e a hesitação com que os sindicatos dos dois sectores têm acompanhado os acontecimentos só se explicam pelo temor de levantar as exigências próprias dos trabalhadores em demarcação com as das outras classes que participam no protesto – quando é precisamente este um dos momentos em que tais exigências mais eco e apoio público poderiam ter.
Comentários dos leitores
•Florival Rogerio Neves Cordeiro 13/6/2008, 1:19
É isso mesmo, os camionistas foram usados como carne para canhão, quando eu ouvi nos telejornais os cabecilhas, entre eles uma senhora dizer que tinha 30 camiões e que estavam ali para defenderem os interesses deles, vi logo que os trabalhadores estavam a ser manipulados. Porque é que a senhora não disse que estava a lutar para que os combustíveis baixassem para todos os trabalhadores? Nós os consumidores finais é que vamos pagar as cedências do governo. A Galp aumentou logo a gasolina. Eu ouvi pessoas que já estavam dispostas a organizar milícias anti-piquete. E quando o povo se levanta em movimento espontâneo sem ter nada nos supermercados para comer... Por isso é que um senhor da organização disse que foi bom ter acabado porque podia dar em guerra civil. Ele lá sabe as ameaças que recebeu. Aonde é que andam os Sindicatos e as comissões de trabalhadores para organizar os trabalhadores na luta pelos seus interesses? Se fossem trabalhadores com os ordenados em atraso que fizessem o que estes senhores fizeram aparecia logo policia de choque com fartura para reprimirem os trabalhadores. O costume.