Da repressão individualizada à vigilância de massas

João Bernardo — 10 Junho 2008

vigilancia_72dpi.jpgEm edições anteriores do Mudar de Vida (*) divulguei as informações mais significativas de um artigo sobre vigilância electrónica publicado em The Economist de 29 de Setembro de 2007. Concluo agora com alguns comentários.

Um dos aspectos que distingue a espionagem levada a cabo pelas velhas ditaduras da colossal operação de recolha de informações prosseguida pelas actuais democracias é a aceitação popular. Sobretudo após os atentados de 11 de Setembro de 2001 contra as torres do World Trade Center e contra o Pentágono, basta invocar o argumento da luta contra o terrorismo para obter a aprovação pública de medidas de controlo e de fiscalização cada vez mais rigorosas. Sem dúvida que qualquer regime policial sempre fez da ameaça uma arma de constrangimento, mas agora, pelo facto de toda a gente sem excepção ser vigiada, o medo tornou-se global. Não basta uma pessoa não se meter em sarilhos, é também necessário que não haja sarilhos nas redondezas. O medo da polícia converte-se no medo dos outros.

É certo que os especialistas se mostram duvidosos acerca da eficácia dos modelos matemáticos de análise usados pelos bancos de dados electrónicos, considerando que eles atingem uma notável exactidão na previsão do comportamento de grandes conjuntos, por exemplo, a evolução de dados tipos de crimes, mas se mostram incapazes de antecipar comportamentos individuais, por exemplo, conspirações políticas realizadas por meia dúzia de indivíduos. Mas estas dúvidas dos cientistas não parece desarmarem os polícias. Apesar de eu não ser um especialista − pelo menos um especialista do lado de lá − parece-me que, independentemente de aqueles modelos matemáticos conseguirem ou não prever quem há-de lançar uma bomba daqui a dez anos, o seu objectivo principal para as polícias é outro. Trata-se de recolher enormes volumes de informação acerca de qualquer cidadão de qualquer país do mundo, sem que os atingidos saibam o que a polícia conhece a seu respeito. E como estes sistemas podem funcionar automaticamente, eles conseguem impedir as pessoas que forem classificadas acima de um dado grau de risco de obterem empregos públicos ou bolsas de estudo ou simplesmente de embarcarem em aviões.

Do mesmo modo, estudos especializados têm chegado à conclusão que os sistemas de televisão em circuito fechado pouco contribuem para diminuir as taxas de criminalidade, mas não é por isso que as polícias e as firmas privadas de segurança deixam de os instalar. Não creio que o principal objectivo dessas câmeras seja deter carteiristas e outros meliantes, mas coligir dados acerca dos cidadãos comuns. Certos especialistas mostram-se igualmente prudentes a respeito do uso de amostras de DNA para detectar criminosos, apontando o facto de ser possível transferir DNA de alguém para lugares ou objectos onde a pessoa nunca esteve ou que nunca tocou. Mas, uma vez mais, parece-me que o objectivo não é facilitar a prisão de uma ou outra pessoa em particular, mas reunir um número crescente de informações sobre conjuntos cada vez maiores de pessoas.

Afinal, não teremos nós o direito democrático de sermos todos suspeitos?

(*) Números 5, 6 e 7 da edição papel; e datas de 9 Fevereiro, 11 Abril e 29 Maio da edição electrónica.


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