Em comício unitário por “responsabilidade, exigência e esperança”
Bloco tenta capitalizar à esquerda do PS
José Mário Branco — 31 Maio 2008
A ocupação do espaço político da direita pelo neoliberalismo da linha “blairista” de Sócrates – com mais eficácia do que os governos PSD/CDS – tem vindo a desenvolver dois fenómenos no espectro político parlamentar: a paralisia política do PSD e do CDS-PP, que ficaram sem nada para fazer a não ser apoiar a escalada anti-social do governo, por um lado; e, por outro, a desmoralização do eleitorado do PS situado mais à esquerda que – como todos os comentadores, e Soares, e Santana vão avisando – pode vir a ser capitalizado pelo PCP e pelo BE, cada um à sua maneira e com o seu estilo próprios.
Agora mesmo, enquanto escrevemos, ouvimos Francisco Louçã, no parlamento, exigir de sua excelência o primeiro-ministro “sensibilidade social” e “sensatez”. Discurso que, nunca trazendo à luz as verdadeiras causas da crise dos pobres na sociedade do lucro, se enquadra perfeitamente nessoutra cartilha “humanista”, “sensata” e defensora de um Estado intervencionista que une, num mesmo projecto reformista, Mário Soares, Manuel Alegre, Ana Benavente, Helena Roseta e Carlos Brito.
Esse projecto de unificação – em que o Bloco de Esquerda espera realizar o seu objectivo de fundo, e que é o de se tornar o parceiro “de esquerda” do PS – está em marcha. Com palavras preocupadas e unitárias, os desencantados do PS estão a ser alvo, às claras, desse chamamento do Bloco. Trata-se, diz o apelo unitário, de “um esforço político consistente para construir uma alternativa à neoliberalização gradual do país conduzida pelo bloco central”, que acontece na imediata sequência do ralhete de Mário Soares ao PS governativo, e se concretiza agora numa iniciativa conjunta desse campo reformista: o comício intitulado “Abril e Maio, agora e aqui” (cujo apelo pode ser lido no site do BE em www.esquerda.net), na próxima terça-feira 3 de Junho, no Teatro da Trindade (Lisboa).
Ao mesmo tempo que o PS-Governo se recusa a comentar a participação de Manuel Alegre no comício, este explica-se dizendo que “é preciso somar a esquerda à esquerda”. Tem-se falado muito da “recomposição da direita”. Mas a recomposição da esquerda promete. Nós diríamos que se perfila uma linha de “responsabilidade” (que é gerir o capitalismo prestando atenção ao perigo dos exageros), de “exigência” (que é gerir o capitalismo com mais rigor quanto aos lucros desmedidos e ao que chamam as regras do sistema) e de “esperança” (que é reabilitar o sistema de ilusões e enganos que são o serviço de protecção civil do capitalismo). Por trás de um discurso de esquerda, mas não anticapitalista, o que esses gestores da esquerda reformista querem mesmo é gerir o capitalismo em novos moldes. É essa a sua ambição de classe.
Comentários dos leitores
•M. Costa 2/6/2008, 15:07
Nada que não se estivesse a prever: a coligação da Câmara de Lisboa foi o balão de ensaio. Era bom que se começasse a saber em que outros lugares publicamente menos visíveis essa aliança já está a funcionar: escolas, universidades, sindicatos, etc.
Acho que Manuela Ferreira Leite disse, numa entrevista recente, que a distinguia de Sócrates a «sensibilidade social». Disse-o em nome daquilo a que chamou a «matriz social-democrata» do PSD…
Deixo duas perguntas:
a) o reformismo não tem um lugar importante na Democracia Parlamentar?
b) o que leva o Bloco a este discurso reformista não é o receio de afastar /o desejo de atrair os eleitores descontentes com o governo PS?
Esta táctica poderá dar os seus frutos: resta saber para quê...
•José Mário Branco 3/6/2008, 18:43
M. Costa toca o fundo da questão ao concluir "resta saber para quê". É isso mesmo. As reformas, quando vêm melhorar as condições de vida dos trabalhadores, são coisas boas. Acho que foi Lenine que chegou a afirmar: "as reformas são demasiado importantes para serem deixadas aos reformistas".
Ou seja, reformas são uma coisa, reformismo é outra.
As reformas, num Estado burguês, mesmo quando são boas para quem trabalha, só são feitas em função dos interesses do capitalismo, para aumentar a produtividade do trabalho (ver aqui o artigo recente de João Bernardo "O que é uma esquerda que não seja anticapitalista?").
O reformismo consiste em considerar (discussão que tem sido travada, embora em circunstâncias diferentes, desde o séc.XIX) que a luta pelas reformas é O CAMINHO para a instauração do socialismo - ou seja, para o derrube da classe dominante e do seu Estado.
A crítica às reformas é feita a cada uma delas, conforme ela interesse ou não a quem vive do seu trabalho.
A crítica ao reformismo é a crítica a uma ilusão vendida aos explorados, ilusão cujo resultado é desarmá-los ideologicamente e assim perpetuar a exploração capitalista.
A revolução socialista só será possível quando milhões de trabalhadores, através de lutas concretas (como a luta por reformas boas), tomarem consciência da força da sua classe. Lutando pelo que está perto, mas com os olhos no que está longe.
Claro que o Bloco quer atrair os eleitores descontentes com o PS; perante a política do governo de Sócrates, essas pessoas viram-se para quem discursa à esquerda, o Bloco e o PCP. Não têm mais nada a que se agarrar. Mas isso é feito no contexto da ilusão de que falo acima. O previsível crescimento do BE e do PCP nas eleições constituirá um reforço dessa ilusão, mesmo que daí possam vir melhoras pontuais (mas inseguras, vide o PREC) para os trabalhadores.
A propósito da greve dos pescadores: o que vier à rede é peixe, mas quem é o dono do barco?