Nepal: dez anos de guerra popular ditam o fim do regime feudal
Comunistas ganharam nas urnas porque ganharam na luta armada
Manuel Raposo — 30 Maio 2008
O Partido Comunista do Nepal (maoísta) venceu as eleições gerais realizadas em 10 de Abril com mais votos do que todos os demais partidos juntos. Tido como “surpreendente” pela maioria da imprensa, o resultado, pelo contrário, vem na lógica do apoio dado pela população nepalesa à guerrilha conduzida durante dez anos pelo partido e ao seu programa de abolição do regime monárquico feudal com mais de duzentos anos.
O Nepal, que a publicidade turística recomenda como um “destino de sonho”, é dos mais pobres do mundo e os seus quase 30 milhões de pessoas viveram até agora sob um regime social anacrónico. Contra esse regime, liderado pelo rei Gyanendra, o PCN-M conduziu, de 1996 a 2006, uma luta armada com um programa claro: abolição da monarquia e do feudalismo, supressão dos latifúndios, instauração de um regime democrático. Cerca de 80% do território do país foi libertado do domínio do Estado; novas formas de organização social foram ensaiadas pelas populações, na maioria camponesas. A guerra popular desfez, à custa de 13 mil mortos, as estruturas feudais nos campos e socavou a base do regime.
Isolada nas áreas rurais e atacada na própria capital, Catmandu, por protestos massivos (que reprimia a tiro), a monarquia aceitou, em final de 2006, um acordo para pôr fim à guerra civil. O PCN-M entrou numa coligação governamental a troco de eleições para uma assembleia constituinte que poria termo ao regime monárquico. Guerrilha e forças do exército recolheram aos respectivos quartéis sob fiscalização da ONU. A violação do acordo pelo regime fez o PCN-M sair da coligação e dispor-se a retomar a luta armada, uma vez que tinha mantido intactas as suas forças.
Em novo acordo firmado em Dezembro de 2007, o PCN-M impõe condições mais drásticas: aceitação imediata do fim da monarquia por todos os partidos, abdicação do rei, designação do país como uma república federal democrática – decisões que serão ratificadas pela assembleia constituinte que acabou de ser eleita em 10 de Abril de 2008.
Precisamente porque nada tem a ver com as “revoluções de veludo” (como no leste europeu), nem com as “transições democráticas” (como na Indonésia ou na Tailândia), promovidas, ou amparadas, e financiadas pelos países imperialistas, a revolução nepalesa contou com a oposição dos EUA e da vizinha Índia que conspiraram quanto puderam para evitar a mudança. Mas o processo, apoiado na população trabalhadora, foi imparável.
E porque foi imparável mostra-se também contagiante: no vizinho Butão, um pequeno reino em tudo semelhante ao Nepal, antes mesmo das eleições nepalesas, foi eleita uma assembleia nacional que tem por missão promover a “transição pacífica” da monarquia absoluta para uma monarquia constitucional. O processo – que se poderia chamar efeito Nepal – foi desencadeado em final de 2006 pelo próprio rei, que abdicou a favor do filho, e significa que o regime do Butão põe as barbas de molho, seguindo a máxima de que é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.
Comentários dos leitores
•Dias 30/5/2008, 14:25
De facto a guerrilha maoista combateu na montanha do Nepal a ditadura monárquica semi-feudal do rei nepalês.
Ao fim de tantos anos em guerra a guerrilha comunista autoritária conseguiu tomar o poder pelo voto, destronando os partidos apoiantes da ditadura monárquica.
O próprio poder anterior tinha muitas contradições no próprio regime e enfrentamentos violentos e sanguinários que até um membro da familia real matou o próprio rei anterior a este.
O regime feudalista estava a cair de podre e os maoistas eram a força mais organizada no Nepal e foi fácil tomar o poder depois de ganhar as montanhas.
O problema agora põe-se se este poder liderado pelos maoístas não vai ser mais sanguinário que antigo e não vai resolver os problemas das populações locais pobres que agora acreditam no Partido como vanguarda da classes exploradas e o próprio povo ter de levantar-se contra o regime maoísta que aí vem.
O grande problema dos partidos comunistas é o seu autoritarismo e para manter o poder fazem o mesmo que qualquer partido de esquerda ou de direita clássica.
A única alternativa não é o partido, mas sim, as pessoas saberem organizar-se pela autogestão e por si próprias não precisando de partidos iluminados e de vanguardas operárias.
•fernanda 10/6/2008, 22:44
muito bem