Há números e números

Eugénio Silva — 30 Maio 2008

Um anúncio de champô diz que faz os cabelos 90% mais lisos. Outro que põe os caracóis 40% mais firmes. Dou por mim a pensar o que são cabelos 90% mais lisos ou 40% mais firmes; ou 89% ou 41%. Outro anúncio: uma conta bancária a crescer 12% como a do Cristiano Ronaldo. Certo, 12%, mas comparo a maquia dele e a minha, ou a dos meus vizinhos, e sinto-me gozado.

Outro caso: as contas do Estado. Tanto o engenheiro Sócrates como a doutora Ferreira Leite (vejo-a agora todos os dias por aí, de novo em campanha…) encostaram-nos à parede com os números. Que o país não podia viver acima das posses. Que o governo tinha de pôr mão nisto. No fim, o país eram só os tipos como eu, que ficámos com a vida mais negra.

Dumas coisas tiro outras, e vejo que há números que funcionam ao contrário. Os combustíveis sobem e atrás vão transportes, comida, electricidade, gás. Mas aí já o governo diz (veio o Teixeira dos Santos dar-nos o sermão) que não deve meter o nariz. Que é o mercado a funcionar e tudo irá ao sítio. Vai ao sítio, sim: nós pagamos mais, os intermediários sacam o deles, o Estado arrecada mais impostos e a Galp aumenta os lucros. O resultado final é igual ao das contas do Estado – pagamos nós.

Outro número que para o governo – governo, patrões, economistas, jornalistas…- funciona ao contrário é o da pobreza. Sim senhor, estão todos muito condoídos com os 20% de pobres. Até os candidatos do PSD fazem disso cavalo de batalha (querem cativar os pobres… de espírito). Mas algum está disposto a ir aos lucros da Galp, do Belmiro, ou do BES, ou aos ordenadões dos gestores, ou aos submarinos do Portas? Estão? Não estão nada.

Todos usam os números para nos levarem. Mas de tanto jogarem com a nossa ignorância, acabam, mesmo sem querer, por nos abrir os olhos. É só começarmos a fazer nós as contas.


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