Bolívia: “Media Luna, NO!”

Daniel Caribé — 10 Maio 2008

bolivia2.jpgEntre Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008, quando a nova Constituição foi aprovada – e a maioria dos trabalhadores bolivianos a apoiava – intensificou-se, entre as classes dominantes de algumas províncias, o propósito de divisão do país, a que chamaram “autonomia”. Na conturbada história da Bolívia, mais um momento de convulsão social se aproximava.

A nova constituição é um instrumento do presidente Evo Morales para se legitimar junto da maioria dos trabalhadores e assim garantir o poder frente à ofensiva das classes dominantes prontas para mais um golpe. É, por isso mesmo, um desafio aos que viveram durante séculos da exploração do povo boliviano. O que está no meio da disputa é nada menos do que o controle dos recursos naturais.

Mas, mesmo com a constituição aprovada, uma parcela dos trabalhadores bolivianos afasta-se do MAS (Movimento Ao Socialismo) – aliança de carácter partidário que elegeu Evo Morales. Os trabalhadores rurais esperam uma reforma agrária que não acontece. Os mineiros, por sua vez, já se colocaram na oposição. E não me parece ser uma oposição “de direita”. A fracção da classe trabalhadora que mais sofreu durante os séculos de colonialismo, e que ainda hoje é a que mais gera valor ao capital, não está contente. E não é por acaso: os mineiros estão submetidos à especulação financeira que modifica do dia para a noite o preço dos minérios, e ainda têm que pagar altos impostos ao governo para entrar nas minas. Só uma minoria dos mineiros faz parte dos funcionários do Estado. O resto expõe-se às condições mais brutais de trabalho dentro das “veias abertas” nas montanhas.

As elites mais poderosas que se concentram na “Media Luna” (províncias de Santa Cruz, Pando, Tarija e Beni que formam a imagem de uma meia lua) têm mais medo desses trabalhadores, que Evo não consegue segurar, do que do próprio presidente. E é por “Media Luna” que ficou conhecida também a coligação das elites para derrubar Evo, dividir o país e vender os recursos naturais (principalmente o gás) às transnacionais.

A luta ganha também contornos raciais. A população descendente dos povos originais reside na parte que quer continuar a ser Bolívia, onde se localiza a base de apoio de Evo Morales. Fica a oeste, na parte mais elevada do país, sobre os Andes. Do outro lado, na “Media Luna”, fica o pouco de moderno que se desenvolveu na região e onde a imigração foi mais forte. E é visível que a diferença racial – que é uma construção social, e não biológica como costumam defender os separatistas de qualquer parte do mundo – está a ser usada como poderoso instrumento para dividir os trabalhadores do país.

Nas ruas das cidades da Bolívia sente-se que um momento decisivo se aproxima. Soldados do exército em todos os lugares, pichagens de cunho político nas paredes, reportagens apaixonadas nos jornais e os sectores populares organizando-se de diversas formas. O clima é tenso. E para os trabalhadores duas tarefas estão bem nítidas: derrotar a “Media Luna” e empurrar Evo Morales o máximo possível para a realização das exigências dos movimentos sociais. Se a “Media Luna” vencer ou se Evo Morales não avançar… Bom, os trabalhadores da Bolívia já sabem o que fazer.

Um país onde ninguém consegue esconder a luta de classes

A Bolívia é considerada o país mais pobre da América do Sul. É também um dos menores. Já foi maior, tempos atrás, antes da guerra que travou contra o Chile, que lhe levou a ligação com o mar. O Brasil, claro, também levou uma grande parte do território do vizinho. Mas o que mais impressiona na Bolívia não é o seu tamanho, mas a sua história de sucessivos golpes de Estado, a grande maioria realizada pelas elites das classes dominantes.
O boliviano, portanto, é um povo acostumado lidar com a reacção. Avança nas suas lutas e recebe em troca massacres. Foi assim na chegada dos colonizadores; foi assim também na “Guerra do Gás”, em La Paz, e na “Guerra da Água”, em Cochabamba, ambos os movimentos já neste século. E desta forma os trabalhadores da Bolívia somam conhecimentos sobre a organização das suas lutas como poucos neste planeta, assim como as classes dominantes locais também aprenderam como reagir. Neste lugar no meio da América do Sul, ninguém consegue esconder a luta de classes.


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