Como a “reforma do Estado” dá dinheiro a ganhar
INA e privados facturam milhões em "cursos" e "acções de formação"
Urbano de Campos — 8 Maio 2008
O Instituto Nacional de Administração (INA), que pertence ao ministério da Economia, está a organizar acções de formação sobre a avaliação de desempenho dos professores. O curso custa 200 euros por pessoa. Como se pode ver no respectivo site, do total de nove acções de formação previstas, quatro já estão esgotadas. Em cada uma podem participar no máximo 25 professores, o que significa que só nestas quatro o INA arrecadou 20 mil euros. A Fenprof acusa o Governo de «fazer negócio à custa dos professores».
Na verdade não é só uma forma de o governo fazer negócio. E nem o negócio começou agora: o mesmo se deu com a imposição do sistema de avaliação da administração pública (o Siadap) há cerca de 5 anos. Mais: acontece o mesmo com muita da legislação nova que vai sendo produzida – a qual “obriga” a cursos de “formação” dos implicados.
O mecanismo é simples. O governo estabelece por lei uma dada obrigatoriedade. Para que se possa cumprir com ela, é preciso instruir os dirigentes e responsáveis sobre os meandros da lei e as múltiplas complicações práticas da sua aplicação. O INA abre cursos para o efeito a que acorrem os quadros, pagos, em regra, pelos respectivos serviços. Para ministrar os cursos, o INA contrata, em grande parte, formadores externos e paga-lhes, obviamente.
Uma chusma de pequenas empresas privadas (ou indivíduos em actividade liberal) constitui-se para fazer os ditos cursos; ou então, “oferece” os seus serviços e obtém contratos com organismos públicos para os ajudar a “implementar o sistema” – arrecadando assim verbas públicas postas ao serviço da dita “formação” pelos vários ministérios. (É o caso do anúncio que publicamos, da empresa privada AutarNet, de São Domingos de Rana, que se propõe levar a cabo o Siadap nas autarquias).
A formação não é obrigatória, mas as exigências criadas com as novas disposições legais propiciam a corrida a estas “acções de formação”. Sejam elas em torno da chamada avaliação de desempenho dos funcionários públicos (na verdade uma forma de o Estado obter pretextos para controlar a progressão nas carreiras dos funcionários e, em limite, despedi-los); sejam as que, em geral, decorrem da obrigação de cumprir novos preceitos legais e que podem afectar qualquer profissão.
Trata-se de um verdadeiro filão que, como vimos, não só o INA mas muitas empresas privadas procuram explorar, oferecendo um manancial de “cursos” para todos os gostos, normalmente tão inúteis como muita da legislação que lhes está na origem.
Em tudo isto ressalta uma contradição: parece que quanto mais aumenta a escolaridade obrigatória mais se descobre que os trabalhadores não têm qualificações suficientes e mais proliferam os cursos extra, numa interminável multiplicação.
Este é, para além da produção legislativa, um dado importante do mecanismo, pelo menos no caso do funcionalismo público: a chamada “reforma da administração pública” acentua o peso da “formação” e da “actualização de conhecimentos” na avaliação dos funcionários e, portanto, na sua progressão profissional. Como preencher essa exigência? Frequentando cursos, públicos ou privados. O que resulta – seja com verbas dos serviços, seja do bolso do funcionário – em transferir mais uns cobres para a “iniciativa privada”.
Não admira que o INA e outros que tais, dedicados a semelhante negócio, possam vangloriar-se de ser “empresas de sucesso”.
Comentários dos leitores
•Ismael Pires 10/5/2008, 23:31
Os Avaliadores
As chefias da Administração Pública foram nos últimos anos colonizados por uma avalanche de comissários políticos de uma forma sem igual nos mais de trinta anos que já leva o regime dito democrático. Em comum, estas pessoas têm pelo menos, duas coisas: a obediência cega ao governo e a mania da avaliação.
Embora a maioria deles não faça a mínima ideia do que seja gestão e de matemática pouco mais saiba que as operações aritméticas básicas, as regras de três simples e o cálculo de percentagens todos se converteram de imediato à sacrossanta ideologia das grelhas de avaliação.
Como todos os noviços, mal tomaram ordens, apressaram-se a assumir as suas funções de avaliadores. Do pessoal claro e do seu desempenho. O resto não se avalia ou porque o patrão não gosta ou porque pode dar uma má imagem do país. Vai dai toca a elaborar grelhas e mais grelhas a definir metas e objectivos. E na feitura dessas grelhas de avaliação de funcionários se aplicam nas intermináveis reuniões com que preenchem o seu dia de trabalho. O único fim das grelhas e do pseudo-planeamento que fazem é obviamente o de coagir os funcionários.
Raras vezes mostram os documentos que elaboram. E não é só por receio que a sua ignorância em gestão se descubra. Eles sabem que é mais eficaz fazer circular nos serviços que os directores andam a definir objectivos para avaliar os funcionários. Mas às vezes a coisa sai cá para fora e chega até à comunicação social e ai estoira a bronca. Dou só dois exemplos para não maçar o leitor.
O director da ASAE meteu os pés pelas mãos ao tentar negar que tinham sido definidos objectivos para os seus inspectores que passavam pelo número de autos levantados e de detenções a efectuar anualmente. Nem com a circular interna escarrapachada à frente dos seus olhos na Televisão conseguiu confessar.
Hoje, menos de duas semanas transcorridas, e confrontado com novos dados assistimos ao ridículo de vê-lo desmentir-se a si mesmo em directo no Jornal da Tarde da SIC. Enfim, mais um mentiroso compulsivo que se diz e desdiz sem noção do ridículo em que se vai atolando. Quem sai aos seus não degenera, diz o povo.
Porque será que em vez de avaliar os seus inspectores não faz o senhor director da ASAE uma contagem simples dos negócios tradicionais que arruinou nos últimos tempos? Olhe que basta saber contar doutor. Não precisa de fazer médias nem ir aprender à pressa estatísticas complicadas.
O segundo exemplo, bem menos mediático mas igualmente caricato, vem da área da Saúde. A Dr.ª Manuela Peleteiro, a novel gestora do Agrupamento de Centros de Saúde de Sete-Rios, Alvalade, Benfica e Lumiar na ânsia de criar uma grelha de avaliação dos médicos, ao gosto dos chefes que a nomearam, resolveu entrar na contabilidade também com os dias de greve dos clínicos.
Mal foi denunciado o caso toca de atabalhoadamente desmentir. Negou que essa avaliação fosse uma avaliação. Então era o quê doutora? Uma brincadeira? Um divertimento com números?
Dr.ª Manuela Peleteiro porque não se dedica antes a procurar no seu agrupamento os arquivos de papelão onde crescem bolores ou as unidades de saúde dentro do seu Agrupamento que não cumprem a lei em matéria de resíduos e controle de infecção?
Ou mais importante até. Porque não manda os seus serviços denunciar junto das entidades competentes as tristes situações de insalubridade que se verificam nos Bairros Sociais onde intervêm os técnicos do seu Agrupamento de Centros de Saúde? É só perguntar e depois ter a coragem de mandar uns faxes ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Olhe que não custa nada.
Mas construir grelhas sobre o desempenho dos funcionários é mais fácil não é? Deviam os dois ter vergonha.