“Exército de azul e capacetes”

Cândido Guedes — 27 Abril 2008

operarioscapacetes_72dpi.jpgA geração do 25 de Abril de 1974 viveu os tempos em que o grande referencial das lutas de massas eram as “fortalezas operárias”, concentrações de grandes empresas fabris com milhares de proletários, onde se situava o núcleo da luta de classes e de onde iam saindo militantes e quadros revolucionários. Essa imagem de força, de organização e de determinação caracterizou muitas greves e manifestações imponentes.

Ela foi marcante em três momentos particulares do PREC: primeiro, no desfile dos operários da Lisnave, nas vésperas do golpe de direita de 28 de Setembro de 74, desde a margem sul até ao ministério do Trabalho; segundo, na manifestação anti-imperialista de Fevereiro de 1975, aquando da provocadora presença de navios de guerra da Nato em frente ao Terreiro do Paço, em que milhares de operários em fato de trabalho, organizados segundo as cores dos capacetes, ultrapassaram os “chaimites” de Jaime Neves até à embaixada dos EUA assobiando baixinho a Internacional; depois, já perto do 25 de Novembro do mesmo ano, o cerco dos operários da construção civil à Assembleia Constituinte, no Palácio de São Bento, exigindo que os deputados eleitos consagrassem na nova Constituição todos os direitos e regalias conquistados pelos trabalhadores nas empresas e nas ruas.

Dispersão e precarização do trabalho
A organização da produção industrial sofreu, nas últimas décadas, uma profunda evolução na sua estrutura e nos modos de exploração do trabalho. Nos últimos 30 anos essa evolução repercutiu-se em Portugal. E deu-se, no essencial, em dois aspectos: a dispersão (geográfica e empresarial da produção) e a precarização (das relações contratuais entre patrões e assalariados).

A dispersão, tornada possível pela evolução tecnológica nas comunicações e nos transportes, traduz-se numa subdivisão do processo produtivo de um mesmo produto por muitas empresas e locais diferentes, muitas vezes com recurso, mesmo, à exploração do trabalho a domicílio, isolado, solitário e sem horário de trabalho. Até numa mesma grande empresa que, devido às características da produção, não pode ser “atomizada” geograficamente – como, por exemplo, a Secil em Setúbal –, das muitas centenas de trabalhadores da fábrica só uma pequena parte são empregados da própria empresa, sendo a maioria deles contratados de múltiplos patrões diferentes; aquilo a que os meios empresariais chamam outsourcing, ou seja “fontes externas”. Esta dispersão divide os trabalhadores por múltiplos vínculos laborais, quase sempre precarizados como se verá a seguir. O trabalhador passa a ficar sozinho, isolado perante um patrão particular, tendo no entanto que obedecer às regras, hierarquias e horários definidos por um patrão “geral”, que é o mesmo para todos (neste exemplo, a Secil).

A precarização é o outro modo de enfraquecimento da força reivindicativa do trabalho, e está estreitamente relacionada com a dispersão. Por meio do outsourcing e das empresas de trabalho temporário (tipo Manpower), os capitalistas limitam a contratação colectiva (de empresa ou de sector económico) e diminuem a eficácia da unidade dos trabalhadores, dos sindicatos e dos cadernos reivindicativos. Individualizam a relação de trabalho, mantendo-a num nível de grande precariedade, ao arrepio do próprio Código de Trabalho.
Como diz Francisco Martins Rodrigues no artigo Classes em Portugal hoje (revista Política Operária, nº 109, Março-Abril 2007), “É para explorar mais que são postos em prática os chamados métodos modernos de organização do trabalho”.

A classe operária hoje
Quererá tudo isto dizer que “já não há classe operária”? E que, por isso, não se pode fazer agora uma política de classe? De forma alguma. A verdade é que – segundo o estudo Classes, identidades e transformações sociais de Maria Cidália Queiroz (editora Campo das Letras, Porto, 2005) – a classe operária representa hoje 42,6% da população activa em Portugal (números de 2001). A autora inclui neste número, além dos operários propriamente ditos, cerca de meio milhão de trabalhadores pobres e não qualificados do comércio e serviços. Se lhe acrescentarmos os 22,2% da “nova pequena burguesia de execução” dos escritórios e serviços, que está num acelerado processo de precarização, estaremos a falar de 64,8%, ou seja, dois terços da população portuguesa.

Um novo impulso
A exploração capitalista é, no seu cerne, a mesma de sempre, mas os actuais processos de produção obrigam as classes trabalhadoras a empreender novas formas de resistência. É um processo em maturação de que não se conhecem ainda as formas precisas. Mas seguramente que um novo impulso nas lutas sociais dependerá de uma maior ligação internacional do proletariado dos diversos países. Desde logo, entre os que fazem parte dos mesmos espaços económicos em que o capital se organiza – mas também entre os proletários dos centros capitalistas e os das regiões periféricas, cujo número está em crescimento e sobre quem recai a mais brutal exploração.


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