Liberdade de expressão

João Bernardo — 26 Abril 2008

25abril2_72dpi.jpgA liberdade de expressão define-se hoje como o direito de comprar o jornal e de ligar a televisão. Curioso uso das palavras, porque este não é o direito de nos exprimirmos, mas de lermos ou vermos o que outros exprimem. Os jornalistas debitam as suas sentenças, entrevistam, seleccionam e cortam as declarações dos entrevistados, e de vez em quando alguns figurões são convidados para espaços de «opinião» acerca dos quais Rui Pereira já disse o que há a dizer no site do Mudar de Vida (www.jornalmudardevida.net/?p=606).

Os jornalistas são profissionais assalariados que fazem notícias como um operário de uma fábrica faz objectos ou como o trabalhador de uma empresa de serviços executa o que lhe mandam. A liberdade de expressão é o direito de conhecermos aquilo que os donos dos jornais e das cadeias de televisão querem que nós pensemos.

Foi muito diferente a liberdade de expressão no Portugal de 1974 e 1975, consistindo, no sentido literal da palavra, no direito de nos exprimirmos. As comissões de trabalhadores não se limitaram a fiscalizar a actividade dos patrões ou a gerir as inúmeras empresas que os patrões haviam abandonado. Proliferou então a imprensa operária, desde simples folhetos até jornais periódicos, e houve também boletins editados por comissões de moradores. Ao mesmo tempo, as comissões de trabalhadores da Lisnave e da Setenave, que na época se contavam entre os maiores estaleiros navais do mundo, puseram as suas oficinas gráficas ao serviço dos trabalhadores de outras empresas. Entretanto, ou através de pressões internas ou recorrendo a lutas públicas que em alguns casos atingiram grande acuidade, muitos jornalistas conseguiram abrir os órgãos de informação à expressão popular. Foi assim que o Jornal do Comércio, a Capital, o República e a Rádio Renascença acolheram nas suas páginas ou nos seus microfones os comunicados das empresas e dos bairros, entrevistaram os trabalhadores em luta e deram um conteúdo real à liberdade de expressão.

O caso do República é instrutivo, porque durante o salazarismo fora o único diário antifascista e a sua nova rotativa havia sido comprada graças a uma subscrição popular. Mas depois do 25 de Abril, quando os trabalhadores do República decidiram pôr essa rotativa ao serviço de quem a havia pago, o Partido Socialista, que dominava a direcção do jornal, orquestrou uma vasta campanha de calúnias e mobilizou a repressão contra os jornalistas e os tipógrafos. E quando os jornalistas e demais trabalhadores da Rádio Renascença se recusaram a obedecer às ordens do governo de devolver as instalações à Igreja católica, o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo mandou as suas tropas dinamitar o posto emissor, numa curiosa demonstração de terrorismo de Estado.

No final de contas, e como sempre, é tudo uma questão de poder. Quem detém o poder tem o direito de escrever e de falar ou de mandar os outros escreverem e falarem por ele. Quando os trabalhadores conseguem na prática mudar a vida, eles dão outro conteúdo à liberdade de expressão. São eles a exprimir-se.


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