60 anos da catástrofe palestiniana
António Louçã — 21 Abril 2008
O Estado de Israel está agora a comemorar 60 anos de existência. Para o povo palestiniano, são 60 anos da “catástrofe” – a “Nakba”. Desde então ficou dividido em três categorias: a discriminada, a ocupada e a expulsa.
Os árabes israelitas e a Diáspora
A categoria discriminada é a dos árabes que têm passaporte israelita. Ficaram no país depois da “Nakba”, a grande limpeza étnica de 1948, ou são filhos, netos e bisnetos dessas pessoas. Totalizam algo mais de um milhão e, para as autoridades israelitas, já são demais. Uma histérica agitação sobre o perigo da “bomba demográfica” produziu recentemente leis como aquela que impede, por exemplo, o casamento de um árabe israelita com uma palestiniana dos territórios ocupados.
Receia-se que essa magra fracção de menos de um quinto da população israelita se torne demasiado numerosa. Faz-se de tudo para lhe dificultar a vida. Os árabes israelitas são cidadãos de segunda classe. Impede-se que comprem propriedades em bairros “só para judeus”. Reprime-se as suas manifestações. Expulsa-se professores árabes que recusam alunos fardados nas suas aulas.
É certo que os árabes israelitas podem organizar partidos legais, que têm elegido deputados para o Knesset. Mas esses deputados são acusados de “traição” por visitarem países árabes vizinhos. São pressionados para emitirem uma profissão de fé a favor do “Estado judeu”, precisamente o Estado que os discrimina. Ironicamente, essa declaração de lealdade não é exigida aos deputados judeus.
Israel considera-se o Estado de todos os judeus do mundo, e portanto reconhece a um judeu norte-americano ou neo-zelandês um direito substancial a influenciar o governo do país. Mesmo que esses estrangeiros não tencionem ir algum dia viver em Israel, têm mais direitos no país do que a população árabe que aí vive. Este o peculiar entendimento da “democracia” que pode ter um Estado racista.
Fora do país, vive a população expulsa e seus descendentes – cerca de 4 milhões de pessoas segundo a ONU. A maior parte foi expulsa em 1948, outra parte em 1967. Embora a ONU continue a considerar formalmente que estas pessoas têm um direito de regresso, o Estado de Israel bloqueia obstinadamente qualquer solução. As propriedades dos expulsos são consideradas “abandonadas” e portanto sujeitas a confisco.
Os territórios ocupados
A população ocupada vive em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental –territórios cuja ocupação continua formalmente a ser condenada pela ONU. Só na Faixa de Gaza, vivem 1,4 milhão, concentrados em apenas 2% do território, no que o sociólogo israelita Baruch Kimmerling designou como o maior campo de concentração do mundo.
Aí, o bloqueio priva a população de alimentos, medicamentos e energia. A rede de saneamento básico está à beira do colapso, durante a maior parte do dia não há água nas torneiras, aquela que há não se pode beber. Nos hospitais, as sucessivas falhas de energia custam vidas a vários pacientes. O pretexto para o bloqueio é a simpatia maioritária da população pelo Hamas, que ganhou as eleições e legitimamente assumiu o poder.
Na Cisjordânia vivem cerca de 2,4 milhões. A crise não é tão aguda como em Gaza, porque o governo da Fatah se tem vergado às ordens israelitas. Mas, a par das auto-estradas só para israelitas, há os checkpoints que tornam a vida impossível à população palestiniana e a obrigam a perder um dia inteiro para fazer qualquer pequena viagem que normalmente duraria meia hora. Ambulâncias transportando grávidas em trabalho de parto ou pacientes em crise cardíaca podem ser castigados com horas de espera que por vezes lhes têm custado a vida. Nas piscinas dos colonatos, sobra a água que falta nas torneiras das casas palestinianas.
Em Jerusalém Oriental e arredores vivem cerca de 300.000 palestinianos. Aí, demolem-se as casas da população árabe para “judaizar” a cidade. Essa limpeza étnica silenciosa, que tem sido denunciada pelo activista israelita Jeff Halper, realiza-se sob qualquer pretexto, desde a “segurança” até às “escavações arqueológicas”.
Não surpreende portanto que o aniversário do Estado de Israel seja, para o povo palestiniano, o aniversário da “Nakba” – a catástrofe.
O “Muro do Apartheid”
A propaganda israelita prefere chamar-lhe “barreira de separação”. Mas o “muro” é um muro: pode ter até 3 metros de espessura e 8 de altura. Há dois anos, estava previsto que atingisse uma extensão de 703 km – quase cinco vezes a do Muro de Berlim. Tem torres de vigilância relativamente próximas e checkpoints relativamente distanciados uns dos outros, que obrigam os palestinianos a horas de caminhada.
O trajecto que antes se fazia em cinco minutos passa a fazer-se em três horas, se se tiver a sorte de encontrar aberta a porta mais próxima, que funciona em horários caprichosos e imprevisíveis.
Na cidade, o muro é mais alto. No campo a vigilância é electrónica e há robots para dispararem sobre qualquer pastor que se aproxime para aquém dos 60 metros da “zona de morte”. O muro separa as casas das terras, dos poços, das escolas, dos empregos. Quando um agricultor foi separado da sua propriedade pelo muro e deixou de cultivá-la, perde-a: é, mais uma vez, a lei que permite confiscar a propriedade “abandonada”.
Grande parte do muro está a ser construída em território cisjordano, no que o Tribunal Internacional da Haia classificou como violação flagrante do direito internacional.
O “Muro” é um muro de “apartheid” – palavra que em africânder significava precisamente … separação.
Comentários dos leitores
•rtp 22/4/2008, 17:55
É assim. E depois terroristas são os árabes, que também são semitas! Aliás, muito mais semitas que muitos judeus, porque uma grande parte são originários da Turquia, os' razares' que se espalharam para o leste da Europa.(vide Georges Addas, em http://resistir.info/, notável sitio em português)