Os comentadores da “nossa economia”

José Mário Branco — 5 Abril 2008

mendigo_72dpi.jpgDe forma sistemática, os comentadores mediáticos usam e abusam de expressões mais ou menos abstractas como “a economia”, “os agentes económicos”, “os investidores” e “a confiança dos investidores”. Sejam políticos profissionais, sejam “especialistas” supostamente independentes, dão sempre a entender que existe uma espécie de entidade superior – “a economia” – que estaria acima do sistema político-social, e cuja condução, sendo um trabalho técnico complicado, caberia aos gestores e aos governos.

A função destes “comentadores da conjuntura” das televisões, rádios e jornais – como, entre outros, José Gomes Ferreira, Ricardo Costa, Nicolau Santos, António Peres Metello, Sérgio Figueiredo, Carlos Rosado de Carvalho, Camilo Lourenço ou Martim Avillez – é incutir nas pessoas a ideia de que o controlo dos instáveis humores desse “deus abstracto” que é o Capital não é coisa da sua esfera. Aos trabalhadores só restaria aplacar-lhe a voragem com a aceitação passiva do destino e do sofrimento de quem não nasceu capitalista – como os antigos faziam aos seus deuses com as oferendas e os ritos sacrificiais.

O importante é que eles deixam no vago a identificação dos nossos males. Para que nunca os pobres, os explorados e oprimidos, possam responder claramente à pergunta: “Onde está a classe que me explora?”.

As pessoas concretas, titulares de grandes fortunas ou gestores de grandes grupos financeiros, industriais e comerciais, são remetidas para a galeria do jet-set, “gente de sucesso”, “empreendedores” dinâmicos e astutos. Esta gente, segundo a propaganda, é gente “como nós”, mas vive bem e diverte-se porque é mais competente e mais eficaz – porque o “merece”. Não são apresentados como pessoas que vivem à custa do trabalho dos outros, nunca são mostrados como os parasitas sociais que realmente são. Além disso, a sua responsabilidade directa na condução das políticas dos governos não deve ser visível. Com que fim? Com o fim de acreditarmos – piamente – que somos nós, nas eleições de 4 em 4 anos, que determinamos a orientação futura dessas políticas. Com o fim de acreditarmos que, dessas eleições, saem os governos que vão cumprir o que nos prometeram nas suas campanhas eleitorais.

Depois, quando os eleitos chegam ao poder, começam a falar do “estado em que encontraram o país”, do “estado real da nossa economia”, da “necessidade de sacrifícios”, de “recuperar primeiro a economia” (quer dizer, aplicar as medidas de que necessitam os capitalistas) para mais tarde, então, se poderem “repartir os frutos da criação de riqueza”… Claro que são os trabalhadores que criam a riqueza – mas nunca lhe vêem a cor… Ela vai sempre parar ao outro lado.

Como não são os trabalhadores quem controla a produção, não são eles quem decide o que produzir nem como produzir, não são eles quem organiza as empresas nem as administra, também não se apoderam do resultado do seu trabalho. Não dominando a produção da riqueza, não dominam a sua distribuição.

A história é esta: a economia é “nossa”, mas a riqueza que dela resulta não é. Aos trabalhadores é distribuída a parte mínima, destinada a mantê-los vivos e produtivos, e a fazerem filhos que os substituam quando forem velhos. O grosso da riqueza criada fica para alguns, para os detentores dos meios de produção e do dinheiro. São estes que escrevem a música. Mas quem toca essa música são os governantes, com a ajuda dos “comentadores”.


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