Dossiê Iraque
Cinco anos de ocupação, cinco anos de resistência
16 Março 2008
Na noite de 19 para 20 de Março 2003 todos assistimos impotentes ao bombardeamento de Bagdade. Cinco anos depois, não é possível sermos indiferentes à situação: crimes continuam a ser cometidos no Iraque e, em nome desta guerra que alguns julgam distante e de outros, são condicionadas as nossas liberdades e direitos em Portugal.
A resistência iraquiana está a cumprir o seu papel. Os iraquianos vencerão esta guerra – imposta pelos EUA, com a cumplicidade, entre outras, das autoridades portuguesas.
A resistência dos activistas do movimento mundial pela paz e contra a guerra não pode enfraquecer enquanto o Iraque continuar ocupado. Não aceitamos que os EUA, insaciáveis no saque de recursos, policiem o mundo sob o pretexto de difundir a democracia. O Iraque tem sido a principal vítima da sua acção. Mas não é a única.
Todo o Médio Oriente, desde a Palestina ao Afeganistão, está sob ameaça dos EUA.
A questão iraquiana e toda a situação no Médio Oriente tocam-nos de perto.
Como a política de Durão Barroso não foi revogada e a cumplicidade portuguesa dos últimos cinco anos está por julgar, todas as suspeitas se tornam legítimas sobre o comportamento do actual governo – e das restantes autoridades, PR incluído – no caso de novas ofensivas dos EUA. E mesmo diante das ameaças já em curso.
O Iraque ocupado
Nenhum processo democrático está em marcha no Iraque. Nenhum órgão do poder expressa a vontade livre do povo iraquiano. As leis da república que davam direitos iguais a homens e mulheres foram abolidas e substituídas por leis sectárias, discriminatórias, de base religiosa. Os sistemas de apoio social – saúde, ensino, velhice… – foram suprimidos em nome do mercado livre. Os voos da CIA e as prisões secretas espalhadas pelo mundo mostram a existência de um verdadeiro sistema penitenciário global, feito de acordo com as leis de excepção dos EUA. Os cálculos mais por baixo apontam 24 mil presos políticos conhecidos nas diversas prisões que os EUA criaram pelo país. E mais 400 mil em prisões governamentais.
Toda a estrutura produtiva do Iraque foi destruída. Mais de metade da população activa está no desemprego. O corte de água e comida à população é prática das operações militares dos EUA para atacar as cidades que escapam ao seu controle.
Perto de 3 mil toneladas de urânio foram lançadas sobre o Iraque na forma de bombas e munições. O poder radioactivo é 126 mil vezes maior que o da bomba nuclear lançada pelos EUA sobre Nagasaki em 1945. O efeito vai perdurar por 4.500 milhões de anos, o equivalente à idade da Terra. De acordo com cálculos da Autoridade para a Energia Atómica do Reino Unido, é de prever que, na próxima década, ocorram 25 milhões de cancros a mais entre a população iraquiana.
Bombas de fósforo branco, banidas pelas leis internacionais, foram utilizadas pelos EUA no ataque a Faluja, matando centenas de pessoas. Esquadrões da morte organizados por norte-americanos e israelitas assassinaram centenas de civis, entre eles, centenas de professores, cientistas e intelectuais. Milhares de outros fugiram do país temendo pela vida, no que representa a decapitação da inteligência iraquiana.
Somos todos iraquianos
Uma guerra como esta que os EUA declararam ao Iraque exige a mobilização e a neutralização das populações do lado dos agressores: ameaçando as pessoas e retirando-lhes liberdades para que não possam reagir. Uma vaga de fascização mundial, com epicentro nos EUA, está a alastrar. Na União Europeia, generalizam-se os procedimentos de excepção, especialmente as detenções prolongadas. Com o ”mandato de prisão europeu” a extradição passa a ser praticamente automática, dando-se cobertura a leis inteiramente reaccionárias. É muito provável que o pior das legislações nacionais passe a valer para o quadro europeu.
Em Portugal, proliferam corpos especiais e serviços secretos nas polícias e nas forças armadas.
Portugal é cúmplice dos crimes cometidos contra o povo iraquiano
Talvez os Açores sejam poupados a uma nova cimeira. Mas é caso para perguntar se voltarão a dar-nos “provas” de armas de destruição massiva. Se as televisões tornarão a divertir-nos com jogos de guerra. Se a base das Lajes continuará a ser o porta-aviões norte-americano que tem sido. Se os destacamentos da GNR voltarão às missões ditas de policiamento. Se empresas portuguesas procurarão novos contratos “de reconstrução”, depois dos estragos. Se outros Josés Lamegos rumarão ao Médio Oriente. Enfim, se o compadrio com as ambições imperiais dos EUA prosseguirá.
Foi este, e não outro, o resultado prático da política de “fidelidade à aliança com os EUA” e de “defesa dos interesses nacionais” invocada por Durão Barroso e Paulo Portas em 2003. Contra nossa vontade, cidadão portugueses, o país foi tornado cúmplice de todos estes crimes. E, até hoje, nenhum gesto, nenhuma declaração, nem do governo nem do Presidente da República, revogou esta política de cooperação com a ilegalidade e com a violência. E nenhum gesto de retractação foi visto da parte dos propagandistas da guerra.
O Tribunal Mundial sobre o Iraque – Audiência Portuguesa
Organizações e personalidades empenhadas no movimento contra a guerra constituíram em 2003 o Tribunal Mundial sobre o Iraque (World Tribunal on Iraq), cuja sessão final teve lugar em Istambul, Turquia, em Junho de 2005.
Em Maio de 2004 constituiu-se a secção portuguesa (Audiência Portuguesa do TMI), na base de uma Declaração de Princípios que destacou o objectivo específico de analisar as responsabilidades portuguesas no apoio à guerra, no quadro da agressão conduzida pelos EUA e a Grã-Bretanha. Congregando pessoas e organizações de diversos quadrantes, facto expressivo da rejeição que a guerra provocou na sociedade portuguesa, a Audiência Portuguesa reuniu como tribunal de opinião pública, na linha dos Tribunal Russell, do Tribunal Cívico Humberto Delgado e Tribunal Mundial dos Povos para Timor-Leste. O amplo leque de apoios reflectiu-se no júri e no conjunto de depoentes que prestaram testemunho na sessão de Lisboa, em Março 2005.
Mas as razões que levaram à criação do Tribunal Mundial sobre o Iraque permanecem infelizmente intactas: o Iraque continua ocupado por tropas estrangeiras, a sua sociedade e os seus recursos continuam a ser destruídos e saqueados, as violações cometidas pelos agressores continuam impunes e as organizações encarregadas de aplicar o direito internacional continuam inoperantes face aos actos dos EUA e da Grã-Bretanha. E quanto a Portugal, continua sem revogação a política de colaboração iniciada pelo governo Durão Barroso/Paulo Portas.
Subsistem, pois, os objectivos de fundo do TMI: informar o público sobre os crimes cometidos e as motivações das agressões, denunciar as mentiras divulgadas, acusar os autores e os cúmplices desses crimes – e desse modo fortalecer o movimento mundial pela paz e contra a guerra.