Eleições nos bastidores da democracia

Rui Pereira — 10 Março 2008

paisbascomanif_72dpi.jpgDominadas pelo tango clássico entre os ‘candidatos a primeiro-ministro’ em que se converteram as eleições nas oligarquias capitalistas do chamado Ocidente, as notícias sobre as eleições parlamentares espanholas que chegam até nós valem mais pelo que escondem do que pelo que dizem.
E o dado oculto (a cifra negra) das eleições espanholas volta a ser a ilegalização das formações partidárias bascas cujo programa político pugnava pelo reconhecimento do direito de autodeterminação e independência daquele território sob administração de Espanha.

Desta vez foram o Partido Comunista das Terras Bascas e a Acção Nacionalista Basca. O primeiro ganhou notoriedade quando acolheu as candidaturas independentistas na sequência da ilegalização em 2002 da coligação eleitoral Batasuna. Em articulação simbiótica, poder executivo, legislativo e judicial, contando com o unânime e constante apoio da maquinaria mediática, debruçaram-se sobre a possibilidade de ilegalizarem uma formação política sem quaisquer vínculos conhecidos ou a conhecer com a única organização política basca declaradamente à margem das leis, a ETA. Fizeram-no.

O segundo caso, da Acção Nacionalista Basca, tem, pelo contrário, ecos mais remotos. José Luís Zapatero não é o primeiro governante a ilegalizar aquela formação política, oriunda dos inícios do século XX. Antes dele, já um outro dirigente espanhol o fizera, com a organização a mergulhar numa clandestinidade longa de décadas: Francisco Franco.

Estes são os factos mais relevantes da peleja eleitoral que trata de eleger o parlamento de Madrid. Os seus dados estruturais. O resto é conjuntura, relevante sobretudo para os principais interessados, Zapatero/PSOE e Rajoy/ PP, e respectivos blocos de interesses acoplados.

Os independentistas bascos apelaram à abstenção. Marcando, também, as ilegalizações e para além de um par de acções armadas da ETA, sem vítimas e com pré-aviso – como passou, aparentemente, a ser estratégia da organização a partir sensivelmente de 2003 – contra um tribunal e um retransmissor de sinal televisivo em Bilbau, a esquerda autodeterminista basca convocou uma paralisação geral de um dia que comprovadamente afectou com seriedade a vida local.

A Etrzaintza, polícia autonómica basca, tem intervindo com gravidade contra manifestantes que protestam nas ruas, reivindicando a democracia sonegada a centenas de milhares de bascos que o governo espanhol trata como se não fossem (ainda) possuidores de um bilhete de identidade por ele emitido. Democracia de segunda, para um povo que se vê impedido de colocar pacificamente a sua pretensão política e cujo sector autodeterminista ou está preso, ou se encontra emudecido.

Amantes das liberdades e dos direitos cívicos, às restantes democracias e aos enviados especiais dos jornais e televisões internacionais ainda não aconteceu repararem no pormenor. Relatarão a indiferente vitória de um candidato e a derrota do outro, como se, afinal, nada de anormal ali tivesse acontecido. Como ‘se a paz reinasse’… em Madrid.


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