A luta de interesses em torno da Ota e de Alcochete

Manuel Raposo — 19 Fevereiro 2008

Depois de decidir que o novo aeroporto de Lisboa será afinal em Alcochete, o governo abriu portas a negociações com a Lusoponte e com os chamados “interesses” da região Oeste, para, no dizer dos interlocutores, salvaguardar “legítimos direitos”.

A Lusoponte, dirigida por Ferreira do Amaral, detém o exclusivo das travessias do Tejo, por contrato assinado com o próprio Ferreira do Amaral quando era ministro das Obras Públicas. Como o aeroporto em Alcochete obriga à construção de nova travessia – que não faz parte do monopólio da Lusoponte – a empresa agora conduzida pelo ex-ministro queixa-se ao actual ministro de que vai ter menores receitas do que era esperado. E daí, reclama do Estado compensações que a indemnizem do “prejuízo”.

Com os “interesses” da região Oeste passa-se algo de semelhante. Dizem os seus “representantes” (industriais, empreiteiros, especuladores imobiliários, enquadrados pelos respectivos presidentes de câmaras) que, na expectativa, alimentada durante alguns anos, de o aeroporto se situar na Ota, vários investimentos foram levados a efeito, e a perspectiva dos ganhos ficou gorada com a súbita mudança para a margem esquerda do Tejo.

Não consta que os lucros da Lusoponte, resultantes do contrato exclusivo de que beneficia, viessem, de algum modo, a beneficiar a população portuguesa, ou sequer os utentes das duas pontes hoje existentes. Mas já a perspectiva de menores ganhos por parte da empresa é considerada pela sua administração e pelo governo razão suficiente para que os dinheiros públicos sejam mobilizados para compensar as “perdas”.

Do mesmo modo, ninguém esperava que os lucros dos capitais privados que se atiraram às redondezas da Ota como gato a bofe fossem generosamente distribuídos pelas populações da região. Mas a aposta falhada da especulação constitui motivo para que o governo, uma vez mais, abra os cordões à bolsa do orçamento para “compensar” os apostadores a quem o jogo de interesses tirou o tapete.

O Estado e o governo, que se apresentam como instituições acima de interesses particulares, e como defensores de um suposto “bem comum”, mostram nestas alturas, de forma nítida, a sua face de administradores dos interesses capitalistas. Não apenas os protegem dando-lhes meios de singrarem nas melhores condições, como compensam generosamente os que, no confronto entre grupos rivais, ficam a perder – como no caso da mudança da Ota para Alcochete.
Inversamente, quando se trata de cumprir obrigações sociais – por exemplo, as que respeitam a pensões de reforma, saúde, segurança social em geral – o Estado repete a cada passo que não tem dinheiro, diminui os encargos e exige sacrifícios dos trabalhadores.
O único bem comum, sem aspas, que o poder concebe é o dos negócios e dos seus agentes.


Comentários dos leitores

Leonor Silva 20/2/2008, 17:50

E como a política económica seguida condena milhares de cidadãos ao desemprego, as indemnizações deveriam começar por aí, pelos mais prejudicados.


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar