“Opinião mediática”, as notas oficiosas do regime

Rui Pereira — 28 Janeiro 2008

As duas principais figuras públicas do PSD, Luís Filipe Menezes e Pedro Santana Lopes, acabam de apontar baterias críticas à situação dos comentadores televisivos. Queixam-se de as posições do seu partido não se encontrarem bem defendidas pelos sociais-democratas com lugar cativo nas estações de televisão, os quais muitas vezes criticarão mais o seu próprio partido do que os respectivos adversários. Entendem, por isso, a situação como um problema de falta de democraticidade.

Santana Lopes chegou mesmo a dizer que o PSD gostava de poder contar nas televisões com fidelidades como as que António Vitorino e Jorge Coelho, semana após semana, devotam ao PS e ao Governo. Marcelo Rebelo de Sousa replicou “teorizando” como a longevidade de um comentador está na proporção directa da sua ‘objectividade’, assim revestindo dos sempre tão convenientes foros da ‘sacrossanta objectividade’ a sua incombustível presença televisiva, longa de anos.

Ora, a propaganda disfarçada de opinião e a opinião disfarçada de objectividade são mentiras recorrentes e decorrentes da aprendizagem pelos poderes de uma das armas tecnológicas mais prodigiosas de que se apropriaram em seu favor: a televisão. Nem nos seus mais felizes sonhos, os mais competentes dos ditadores que oficiaram até à primeira metade do século XX conseguiram imaginar uma máquina de doutrinação tão efectiva quanto esta. Uma máquina que permite sentar milhões de pessoas, ao mesmo tempo, em qualquer lugar, vendo e ouvindo domiciliarmente aquilo de que todas irão falar no dia seguinte. E isso durante todas as noites e dias da vida dos povos.

Em Portugal, a primeira sistematização desse recurso ocorreu com Marcello Caetano e as suas “Conversas em Família”, cujos textos o então presidente do Conselho ia lendo enquanto fingia improvisar os seus discursos. Mas só a partir dos anos 90, com a chegada das estações privadas, em ambiente dito democrático, foi desenvolvida a técnica de intoxicação permanente que consiste alinhar uma grelha de personalidades ligadas ao poder (pelo seu exercício, ou pela sua simétrica oposição ‘autorizada’) e fingir que aquilo que dizem não é pura propaganda de inculcação, mas que se trata, pelo contrário, de algum tipo de debate atendível e sério dos assuntos.

Tipos e truques

A característica comum aos três grandes mecanismos de inculcação propagandística disponíveis na modalidade “comentário” (jornalistas e outros profissionais supostamente imparciais, membros de partidos a título pessoal e representantes partidários hardcore) é a desproporção com que as vozes efectivamente críticas, i.e., extra-sistema, são convidadas a intervir, ou por outras palavras a proporção em que são suprimidas como se não existissem.

Outra regularidade consiste nos truques de especialização no ‘agendamento’ dos temas a debater. Neste sentido, por exemplo, o chamado Prós e Contras (com maior frequência uma emissão entre prós-e-prós) funciona como Nota Oficiosa do Regime, difundida na Estação Oficial do Reino, a RTP. Sempre que o Presidente ou o Governo lançam um tema (biombo ou não), o programa corre a pegar-lhe e a ‘debatê-lo’ nos seus próprios termos.

Um segundo tipo de truque radica na presença de membros da partidocracia que se encenam a título individual, forjando para si mesmos, e para os media em que actuam, um pseudoestatuto de livre-pensadores. De comum a todos eles encontra-se o facto de se circunscreverem, sem excepção, ao discurso dito ‘responsável’. É no interior desta mesma delimitação que irão, concomitantemente, pronunciar-se os comentadores ‘independentes’, jornalistas, professores, etc., consumando não uma «conspiração», mas bem mais, como lhe chamou alguém, uma «comunidade de inspiração».

E, finalmente, derradeiro passe de mágica na prestidigitação da propaganda de opinião, os debates entre representantes partidocratas, que projectam a ilusão de que todos os anteriores se encontram fora dessa mesma partidocracia, enquanto escondem a real falta de democraticidade com que excluem todos quantos lhes são efectivamente exteriores.

O principal efeito de todo este poderoso dispositivo não é, ao contrário do que se possa julgar, o da propaganda directa e pontual deste ou daquele partido ou interesse. Mas, bem mais profundamente, o da inculcação e legitimação a longo prazo de toda a oligarquia de interesses políticos e económicos que se escondem por detrás das fórmulas que enunciam; sejam elas a “democracia pluralista” ou o “livre mercado das ideias”, como também lhe costumam chamar sem se rirem.


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