Duas conferências para liquidar a resistência

José Mário Branco — 3 Janeiro 2008

palestina_72dpi.JPGDuas “Conferências” recentemente realizadas ilustram, dramaticamente, o quanto os direitos mais elementares do povo palestiniano são espezinhados por uma “comunidade internacional” que apregoa os direitos humanos, a democracia e a liberdade. Uma, em Annapolis (EUA), promovida por Condoleeza Rice, propunha-se amarrar o presidente palestiniano, Abbas, à sua nova e consentida condição de pau-mandado. A segunda, à laia de prémio de bom comportamento, reuniu 87 países e organizações “doadores”, entre os quais Portugal, para criarem as duas condições essenciais para o êxito da primeira: encher os bolsos de uma oligarquia palestiniana corrupta e, não menos importante, alimentar a impostura da “ajuda ao povo palestiniano”.

Para contar o lento genocídio de que alvo, há mais de 60 anos, o combativo e sofredor povo palestiniano não basta um artigo de jornal, nem sequer um livro; seriam precisos muitos livros, cheios de factos provados, documentados e indesmentíveis. O Estado de Israel está a fazer ao povo palestiniano, com a ajuda dos governos ocidentais e árabes, e de uma forma mais lenta mas não menos metódica, exactamente o que os nazis fizeram aos judeus: a expoliá-los e a exterminá-los.

A Conferência de Annapolis – como explica Jeff Halper no Counterpunch.org – insere-se na “estratégia israelita para a ocupação permanente”. Senão vejamos as condições prévias postas por Israel para a realização desta conferência, condições essas aceites por Abbas em nome do povo palestiniano. Primeira: redefinir a condição (da fase 1 do Road Map, o plano de paz do “Quarteto” formado por EUA-Europa-Rússia-ONU) de não implantar novos colonatos israelitas nos territórios ilegalmente ocupados; o governo sionista exige a redução dos territórios a negociar de 22% para 15% da Cisjordânia, e a sua divisão em enclaves isolados – os racistas sul-africanos chamavam-lhes “bantustões”. Segunda condição: já não basta o reconhecimento do Estado de Israel; os sionistas exigem da Palestina o reconhecimento prévio da existência de Israel como “Estado Judaico”, o que oficializa a condição de cidadãos de segunda para os árabes israelitas (20% da população) ou, como recentemente afirmou a ministra sionista dos Negócios Estrangeiros, a sua expulsão “de Israel para a Palestina” – limpeza étnica. Terceira condição: é indiscutível o estatuto judaico de Jerusalém e de uma ampla zona em volta, o que se sabe ser inaceitável pelos palestinianos. Quarta condição prévia dos israelitas: “aplicação adiada”, isto é, qualquer acordo resultante desta “negociação” só será aplicado por Israel após completa cessação de qualquer formna de resistência por parte dos palestinianos!

Foi este o contexto da Conferência de Condoleeza e de Olmert, iniciada a 27 de Novembro em Annapolis, nos EUA. O resultado – anúncio isrealo-palestiniano da “retomada das negociações para chegar a um acordo de paz até ao fim de 2008” – foi recebido com enormes manifestações de repúdio em todas as cidades palestinianas, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, duramente reprimidas pela polícia de Mahmud Abbas.

Em Paris, em 17 de Dezembro, a Conferência Internacional de Doadores, conduzida pelas grandes potências ocidentais (e pela ONU, sua fiel servidora), premiou a maleabilidade de espinha de Abbas e da sua clique com 5.100 milhões de euros, metade dos quais já em 2008. O mais certo, conforme demonstra o comentador palestiniano Abdel Bari Atuan, é tratar-se de um presente envenenado que, em vez de resolver os gravíssimos problemas básicos do povo da Palestina, irá reforçar o poder da mini-oligarquia palestiniana, comandada pelo primeiro-ministro Fayyad, amigo próximo dos Estados Unidos. Quem, segundo ele, fica a ganhar é sobretudo Israel, por duas razões: por um lado, a maior parte desse dinheiro acabará em Israel, pois será destinado a comprar produtos de primeira necessidade por ela fornecidos; por outro lado, reforçar o regime de Abbas corresponde a deslegitimar o Hamas, vencedor das útimas eleições e que mantém o controlo na Faixa de Gaza, isolamento que poderá abrir caminho aos tanques e aos mísseis israelitas para novos massacres contra aquela já martirizada população.

Por fim, para falarmos de factos – de preferência a belos discursos hipócritas –, eis alguns dados sobre o bloqueio israelita, segundo o Comité Popular Contra o Cerco de Gaza (www.freegaza.ps):

6 meses com os postos fronteiriços e as fronteiras bloqueados por Israel

52 doentes mortos devido ao bloqueio
322 doentes em grave perigo de vida, necessitando tratamento urgente
1.562 doentes precisando de tratamento urgente fora de Gaza
470 doentes de cancro condenados a morrer sem tratamentos
136 máquinas hospitalares bloqueadas ou avariadas
97 tipos de medicamentos em vias de perder a validade
107 medicamentos básicos retidos ou sem validade

85% da população abaixo do limiar da pobreza
650 dólares de rendimento anual per capita

22 organismos financeiros com actividade suspensa devido ao cerco

160.000 trabalhadores desempregados
67.000 empregados fabris sem emprego
25.000 operários têxteis sem trabalho
4.500 cultivadores de morangos sem trabalho
3.000 pescadores sem trabalho devido ao cerco

96% das fábricas fechadas
100% das fábricas têxteis fechadas
65% dos empregos no comércio extintos
Entre 20 e 30 camiões de transporte de alimentos, em vez dos 300 antes existentes

58 milhões de dólares perdidos pelas 570 oficinas de marcenaria fechadas
55 milhões de dólares de perdas no sector agrícola
120 milhões de dólares de perdas no sector industrial
52 milhões de dólares de perdas no sector têxtil
14 milhões de dólares de perdas do sector de produção de morangos e de flores
370 milhões de dólares de perdas em obras paradas ou adiadas


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