Não há uma Europa, há duas

6 Dezembro 2007

Em contraste com as solenidades e os rituais políticos dos governantes, a Europa dos trabalhadores e dos povos está em efervescência, numa sucessão de greves, manifestações, ocupações e revoltas.
Em Itália grita-se “não a um governo berlusconista sem Berlusconi”. Em França, Sarkozy encontra uma firme oposição popular às suas “reformas”. Estudantes universitários e secundários ocupam centenas de escolas e universidades em França, Grécia e Itália. Ferroviários alemães exigem consideráveis aumentos de salário e paralisaram a economia do país durante vários dias. A juventude pobre e marginalizada dos subúrbios de Paris – para onde são segregadas as famílias de origem imigrante, discriminadas, subempregadas e diariamente agredidas pela polícia – reage violentamente à morte de dois jovens durante confrontos com a polícia. Em Portugal, a greve geral da Função Pública, a 30 de Novembro, segue-se à grande manifestação de 18 de Outubro.

Enquanto isto, todos os anos milhares de imigrantes tentam alcançar a Europa em busca de sobrevivência. E, quando não morrem pelo caminho, em vez de encontrarem o acolhimento correspondente aos grandes princípios humanistas e democráticos proclamados pela União Europeia – como agora na Cimeira Europa-África em Lisboa – esbarram com a Europa policial de Schengen, com a Europa emuralhada dos contingentes de imigração, com a Europa hipócrita que precisa dos imigrantes para as suas empresas, mas que os mantém frágeis e ilegais para melhor explorar toda a força de trabalho.

É o contraste entre dois mundos. É a fronteira de classe entre duas Europas. Tomando cada vez mais conta das nossas vidas quotidianas, a Europa capitalista tem vindo a ser construída, ao longo de mais de meio século, como um novo pólo imperial no mundo. Uma Europa exploradora e opressora, virada também contra os seus próprios povos, que se desfaz definitivamente do Estado Social – porque a crise, agora permanente, do capitalismo acabou de vez com a miragem do progresso contínuo. Uma Europa onde, quanto mais se caminha para o federalismo necessário ao Capital, mais se exacerbam os nacionalismos de extrema-direita, a xenofobia e o racismo, a impiedade em relação às camadas pobres, descartáveis e “inviáveis” da sociedade. Uma Europa onde, a seguir aos mercados, a primeira coisa a unificar foram as forças repressivas.

É esta a Europa que nos é imposta e que os partidos do sistema nos apresentam como uma via inevitável e sem alternativa. Querer “obrigar” a Europa a ser social e progressista sem pôr em causa a sua natureza capitalista e os seus propósitos de potência imperialista é uma ilusão que apenas serve para adiar a única alternativa que nos interessa: a unificação das lutas e do movimento social por todo o continente, a coordenação da resistência num verdadeiro espírito internacionalista, a união dos povos europeus.


Comentários dos leitores

Manuel Baptista 7/12/2007, 20:55

Se calhar a própria ideia de Europa é um enorme logro... é um falso BI, que reforça tudo o que as pessoas deste continente têm de mais xenófobo, egoísta, etc. Eu não sei se sou «europeu», mas sei que sou internacionalista. Mas não vejo que os meus concidadãos tomem essa atitude. Porquê? porque carradas de propaganda, falsamente democrática, pervertem as pessoas, desde criancinhas, porque usam do lema do Goebbels de que «uma mentira repetida milhares de vezes passa a ser verdade», porque também a esquerda se deixou enredar num europeísmo «progressista» que nada mais é do que quererem abocanhar as migalhas desse enorme banquete feito à custa do resto o mundo e dos assalariados pobres (que os há, e cada vez em maior número) nos países ditos «ricos».


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar