A velha toupeira
João Bernardo — 5 Dezembro 2007
A propósito do «pauzinho na engrenagem», de que falava o desenho de Manuel da Palma no nº 2 do Mudar de Vida, lembrei-me de que sabotagem provém de uma palavra francesa, sabot, que significa tamanco. Era o calçado dos operários no começo do capitalismo, isto se tinham alguma coisa para pôr no pé, e como os tamancos eram de madeira e as engrenagens daquela época não eram muito fortes, quando o tamanco caía, a máquina parava, e o trabalhador ganhava assim algum tempo, sobre o tempo de trabalho que tinha de vender ao patrão.
A história registou grandes datas, convulsões mundiais, bandeiras vermelhas desfraldadas ao vento. Mas estes episódios, que constituem o culminar da luta entre as classes, são a cúpula do edifício. Os alicerces são outros, e cavam-se com milhões e milhões de gestos quotidianos, anónimos, persistentes. Imaginam quantos biliões de dólares os patrões perdem por ano devido a materiais que os trabalhadores levaram para casa? Dir-se-á que são roubos, e a lei pune-os como tal, mas na realidade são uma tentativa de reduzir a exploração salarial. Ou dir-se-á que se trata de acções individuais, sem interesse para a luta colectiva. Mas quantos colegas olham para o lado quando outro mete alguma coisa na bolsa ou no bolso? As redes de solidariedade vão-se construindo assim, pouco a pouco, com estes actos elementares. As oposições de classe também, a clivagem entre nós e eles. Sem isto não existe unificação possível das lutas, nem debate de ideias, nem esclarecimento político, nem avanços estratégicos. E quando a hora soa, aqueles que sabem o que está por debaixo podem sorrir e dizer, com a frase de Marx, «bem cavado, velha toupeira!».
Comentários dos leitores
•Isto anda tudo ligado « Leitura Capital 11/7/2010, 23:10
[...] A velha toupeira [...]