Há um certo fascismo no espírito do tempo

Paulo Marques (*) — 28 Novembro 2007

brasilgreve_72dpi.jpgA luta dos trabalhadores no Brasil depara com grandes dificuldades.
Em primeiro lugar, as esquerdas não conseguem se unificar de forma eficaz. Tentam fazê-lo de cima para baixo, a partir de programas ideológicos e não de programas práticos. Isto gera grande sectarismo: temos dezenas de pequenas seitas, cada uma com a sua Internacional e programa revolucionário, mas sem inserção social. Outros setores, os da CONLUTAS e INTERSINDICAL, mais amplos e populares, se organizam junto aos movimentos de Sem-Terra e Sem-teto, em lutas mais práticas. A unidade, quando construída pela base de acordo comum, é mais efetiva.

A segunda dificuldade é que a mídia [meios de comunicação] de massas brasileira faz uma verdadeira campanha contra os movimentos sociais. Trata-os como ‘bandidos’, participando ativamente da campanha das elites pela ‘criminalização dos movimentos sociais’. Ou então faz silêncio absoluto. No dia 23 de Maio, o Brasil parou por inteiro contra a reforma trabalhista, em greves, ocupações e piquetes, e a mídia não noticiou quase nada, mas falou muito dos campeonatos de esportes. E quando a TV não fala de um assunto, é como se ele não existisse. Assim, a mídia cria a ilusão de que o povo brasileiro é pacífico e só pensa em samba, cerveja, mulatas e carnaval. E para piorar, não temos aqui jornais de esquerda (exceto os governistas) capazes de superar esta fragmentação. O sistema vence as lutas fragmentando-as, isolando-as, impedindo-as de terem contato entre si. Unidas, elas poderiam criar uma consciência de classe e se tornar poderosas. Mas fragmentadas, morrem isoladas. Os trabalhadores muitas vezes lutam, mas com uma consciência limitada ao corporativismo ‘categorialista’ – ou seja, a professores interessa o sindicato e as lutas de professores e nada mais.

A terceira dificuldade é que o barulho das botas dos militares continua a rondar como um fantasma. Mas de forma diferente. As periferias brasileiras foram dominadas pelo narcotráfico, e há uma verdadeira guerra civil nelas – todos os dias morrem pessoas. A grande mídia faz uma campanha para aterrorizar a população, a serviço dos grandes lobbys e empresas de segurança privada. Assim, difundiram uma cultura do medo, e passou a ser senso comum para a população o discurso que defende medidas de ‘tolerância zero’ – pena de morte, execuções sumárias, redução da maioridade penal, medidas de perseguição aos pobres, militarização, ocupação militar das favelas. Muitos (principalmente a classe média) defendem a ‘volta da ditadura’. Resumindo: é o neo-fascismo de crise. Fizeram um filme, chamado ‘tropas de elite’, que faz a apologia fascista dos esquadrões militares que ocupam as favelas. E o povo, em massa, adorou o filme e passa a dizer nas ruas que as tropas do filme deveriam ocupar as ruas de todas as cidades. Note-se que no filme ocorrem cenas de torturas, violações de direitos humanos, extermínios e execuções sumárias, e as pessoas acham isto certo. E clamam por isto. Passam a defender que favelados, sem-terras, sem-tetos, são todos ‘vagabundos’ e que precisam ser ‘varridos’. Ou seja, há um certo fascismo no espírito do tempo, e uma estreita fronteira entre isto e a criminalização dos movimentos sociais.

A quarta dificuldade é que o sindicalismo e a esquerda brasileira foram dominados pelo burocratismo. Os sindicatos são dominados por castas de especialistas em poder, que dominam as pessoas com assistencialismo. São tecnocratas que assumem controlo de empresas, gerem capital, usam os sindicatos e os trabalhadores como massa de manobra com fins eleitoreiros, praticam clientelismo, corrupção, nepotismo, são ávidos por cargos, fazem conciliação de classe, negociatas a portas fechadas, etc. E agem contra as oposições sindicais com expurgos, delações aos patrões, agressões, contratam seguranças, usam práticas truculentas, e não raro, ocorrem mortes não esclarecidas. É o gangsterismo puro. Os trabalhadores brasileiros têm um inimigo sério nos dirigentes sindicais vendidos, a par dos vereadores, dos pastores e seitas salvacionistas e dos barões do tráfico. São muitas formas que o capitalismo encontrou para anestesiar a consciência e impedir as lutas.
Em suma, o Brasil é um país onde a esquerda tem tarefas dificílimas. As lutas estão a se reorganizar, mas enfrentam sérios obstáculos. Atravessamos uma época difícil em que é necessário erguer uma frente de luta contra as reformas neoliberais, a barbárie da crise capitalista e o neofacismo tecnocrático.

(*) Professor e dirigente sindical


Comentários dos leitores

Rodolfo 29/11/2007, 20:41

Realmente, a situação para as lutas sociais no Brasil está péssima. Gangsterismo é a palavra correta para definir a quase totalidade das instituições e grupos de poder desse país. Um Horror.

Paulo Marques 24/2/2008, 3:31

Se o capitalismo domina pela racionalidade e impessoalidade, em países como o Brasil, a tecnocracia se funde com elementos patriarcais de uma cultura informal e hierárquica de chefetes. Vale ler "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda. Se a informalidade e a pessoalidade tendem a ter o seu lado bom, também tem seu lado mau, na ditadura dos líderes naturais com seus mecanismos informais de poder.


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