Des-universalizar a universidade pública

Isabel Casado — 24 Novembro 2007

Bem dizia a canção! Coimbra dos doutores… Sou estudante finalista e desde o plano denominado U3M, Universidade do Terceiro Milénio, que tomei posição contra as reformas no Ensino Superior. A minha luta começou em França, em 1995, data em que esse plano começou a emergir dando nascimento ao Acordo de Bolonha, ponto máximo da afirmação da privatização do ensino.

Este ano, começaram os cursos à bolonhesa. A maioria dos senhores professores, não criticam o declínio da qualidade do ensino, nem as bases ideológicas subjacentes, mas sim o simples facto de que, doravante, toda gente vai ser Doutor, Mestre! Devem ter ficado agarrados à velha senhora, em que as classes eram bem definidas e havia uma diferença no trato. Para eles, o problema não é não termos condições para poder fazer um ensino de qualidade – não há livros, não há professores, não há condições mínimas, nem físicas nem humanas para a aplicação do novo regime. Não, o problema é que, até agora, o mestrado só era para alguns e agora vai haver uma massificação. Mas deram a volta à questão, doravante vai haver o Mestre e o Ilustre Mestre! Porque o problema é continuar a haver uma distinção clara no título, entre as pessoas.

Chegamos ao cúmulo de sermos mais de trezentos alunos a querer consultar uma obra! Uma professora teve a ideia revolucionária de pôr o livro dela à disposição dos alunos de mestrado, na antiga sala dos mestrados. Mas qual não foi o seu espanto, quando os senhores do antigo mestrado lhe disseram que não queriam que o mestrado à bolonhesa se juntasse aos outros! Qual não é o espanto, quando uma funcionária pede desculpa a um mestrando nos moldes antigos, porque agora esta gente está sempre aqui, já não é o que era! Qual não é o espanto quando, querendo requisitar uma obra na biblioteca, temos que nos identificar como Mestrado de Bolonha! Qual não é o espanto, quando um professor, no meio de uma oral, olha para o curriculum de um aluno e começa a disparar com quase insultos – com um curriculum assim tem o desplante de querer ser Mestre, toda a gente o quer ser… – e chumba o aluno! Regressa o argumento de que também é preciso gente para calcetar as ruas e nem todos podem ser doutores.

Estes senhores, tão agarrados aos tempos passados, não vêem que no resto da Europa o mestrado já é coisa antiga e que a questão lá fora coloca-se em termos de doutoramento. Mas, não, Portugal continua a querer ser uma excepção, de ideias retrógradas e bacocas. Há pouco li um artigo fantástico de um jornalista espanhol que dizia que nunca tinha visto um país, referindo-se a Portugal, de tantos doutores e engenheiros. Pois neste país, quem tem mais do que a quarta classe, faz questão de ser apelido de doutor! E brada o seu título para não ser confundido com o Zé-povinho!

O ensino é um direito para todos, é a única arma com verdadeiro poder, só assim é que podemos ser verdadeiramente livres! Já o poeta dizia: “ a palavra é uma arma, e eu não sabia…”. Para os calceteiros e para os doutores.


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