Os burocratas sindicais no poder

Paulo Dias e Marcelo de Souza — 13 Novembro 2007

O Partido dos Trabalhadores (PT), de base popular e classista, ao chegar ao poder, via eleição, acendeu a luz da esperança para os trabalhadores brasileiros. Os movimentos sociais explodiram em alegria. Entretanto, o castelo de ilusões logo ruiu. E ruiu no primeiro ano de mandato do governo Lula. De imediato impôs – o maestro da grande sinfonia neoliberal – a famigerada Reforma da Previdência. Retirou vários direitos, inclusive constitucionais, dos trabalhadores no âmbito da previdência social. Fixou a idade mínima para a aposentadoria [reforma], concomitante com o tempo de contribuição. Isto é, poucos irão, a partir da reforma, se aposentar pelo viés [através] do Estado. Diante disso, aproveitou para criar os Fundos de Pensão, a “Galinha de ovos de ouro” para os esfomeados por poder: os burocratas sindicais.

Dentre estes burocratas estão aqueles que se apropriaram do discurso da esquerda brasileira para alavancar no interior da luta sindical um projeto de poder. Estamos falando da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Fundada em 1983 pelos agentes do PT e companheiros de outros movimentos, diga-se de passagem valiosos, que construíram uma oposição de esquerda ao projeto neoliberal.

As origens comuns do PT e da CUT remontam às grandes greves de 1978 e 79, no final da ditadura militar brasileira (1964-85). Estas grandes greves, irrompidas a partir das comissões de fábrica e do movimento autônomo das bases nas regiões industriais do ABC (São Paulo), desencadearam intensas lutas sociais. No decurso destas lutas, a Central Única foi criando, com o apoio do próprio Estado – por meio do FAT (Fundo Amparo ao Trabalhador) – um imenso aparato sindical burocrático e institucionalizado. Com dinheiro na mão e o atrelamento ao projeto de poder no interior da estrutura capitalista de Estado, a ruptura com o projeto socialista foi inevitável. Lembrando um velho ditado que muito nos ensina: “A esquerda socialista deixa de ser socialista quando os membros começam a contar dinheiro”.

A CUT e os seus sindicatos de base, todos numa grande comunhão de interesses, transformaram-se numa ponte para efetivar o projeto de poder pela via eleitoral. O sindicalismo outrora de luta passou a ser um instrumento de financiamento sem escrúpulos de candidatos do PT e do PCdoB[i]. A luta parlamentar tornou-se o grande mote para os dirigentes sindicais.

O proletariado brasileiro foi conduzido a acreditar que este projeto de poder era o caminho para a libertação das garras do capitalismo selvagem que assolava os direitos dos trabalhadores. O que tornou os burocratas em lideranças com legitimidade popular.

Entretanto, a cada eleição, principalmente depois da década de 90, a máscara destes burocratas foi caindo. Para barrar as oposições sindicais que foram surgindo se instituiu a delação e práticas truculentas. Trabalhadores comprometidos com o antigo projeto do PT que disputavam a eleição sindical eram denunciados pelo próprio sindicato ao patrão. As comissões de fábrica desapareceram. Estava tudo sob o controle dos dirigentes sindicais.

No processo de apropriação do poder institucional – vale lembrar que o PT cresceu muito rápido – formou-se, no interior da CUT, uma escola de gestores tecnocratas. Estes foram preparados para assumir cargos de comandos nos diversos governos locais, colonizando o Estado, de alto a baixo.

Trocou-se o socialismo por um projeto de poder, um projeto que incluiu as prioridades da burguesia brasileira e a ascensão social e econômica de muitos dirigentes sindicais. O PT abriu mão da crítica e negação ao capitalismo, para formar gestores de capitais, e assim administra o capitalismo em crise no Brasil, a um alto custo para os trabalhadores.

Resultados destes ingredientes do burocratismo sindical foram: a corrupção (o PT ficou conhecido no Brasil como o partido do “mensalão”); o atrelamento dos movimentos sociais ao governo, visto apenas no período “getulista”[ii] na década de 30; engessamento das lutas sociais; fim do direito de greve para os trabalhadores; fim da aposentadoria pública; desmonte dos direitos trabalhistas; enfim, derrocada de tudo o que se construiu como projeto lá na década de 80.

A imensa desilusão popular com o governo “de esquerda” – somada à barbárie da guerra civil nas periferias urbanas – está a abrir caminho para o avanço da direita raivosa e facistóide.

Diante deste duro golpe contra os trabalhadores, as esquerdas brasileiras tendem a se reorganizar rapidamente, através de duas novas Centrais Sindicais: a CONLUTAS (Coordenação Nacional de Lutas) e a INTERSINDICAL. A má experiência com o governo Lula traz-nos grandes lições: sempre priorizar as lutas de base; não atrelar a luta a práticas e ilusões eleitoreiras; lutar contra a burocratização e a profissionalização dos dirigentes (causa da separação entre estes e as bases); e retornar à organização no local de trabalho – uma crítica radical das próprias estruturas de organização. Faz-se imprescindível estabelecer o objetivo das lutas: de nada adianta “gerir o Capital”, é preciso lutar para destruí-lo. Promessas de nacional-desenvolvimentismo, num capitalismo periférico em crise, não iludem mais ninguém. Duras lições, mas um importante avanço. Os trabalhadores precisavam passar por essa experiência. Adeus às ilusões! Agora chegou-se ao momento de reorganizar a luta e ir pelo caminho da verdadeira luta contra o Capital.

Paulo Dias é membro do sindicato dos professores APEOESP e Professor de História; e Marcelo de Souza é membro do sindicato dos professores APEOESP e Professor de Filosofia.
A APEOESP – Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo – é um dos maiores sindicatos da América Latina, com cerca de 200.000 trabalhadores de base, atuando na educação pública.

[i] Partido Comunista do Brasil, cisão do PCB (Partido Comunista Brasileiro)
[ii] Governo de Getúlio Vargas (1930-1945), de características facistas-totalitárias, que destruiu o antigo movimento operário revolucionário brasileiro, criou sindicatos “pelegos” [amarelos] que serviram de base para sua política populista e assistencialista. Deixou duras heranças no movimento sindical brasileiro, que se fazem sentir até hoje.


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