Vetos e votos

Rui Pereira, jornalista — 5 Outubro 2007

O espectáculo da política corrente no país teve uma animação inusual no mês Agosto, em razão dos três vetos presidenciais a outros tantos diplomas legais. Cavaco Silva, depois de um idílio não muito prolongado mas intenso com Sócrates, parece estar a dar sinal de que, também para ele, alguma coisa não estará bem.
Nos três vetos há duas situações diferentes. Uma é a da lei que fixava o chamado “regime de responsabilidade civil extracontratual”. Trata-se de dar oportunidade aos cidadãos para imputar judicialmente responsabilidades ao Estado. Cavaco vetou, por recear a sobrecarga de queixas de cidadãos nos tribunais e pelo facto de o impacto das eventuais indemnizações que o Estado tenha de pagar aos queixosos não estar estimado. Esta lei fora aprovada por unanimidade no parlamento. Não era propriamente uma “lei-PS” e constitui, politicamente, uma situação à parte.
PS eram, sim, as outras duas. A lei orgânica da GNR que ‘socratizava’ o seu controlo e militarizava (ainda mais) aquele corpo paramilitar, ao mesmo tempo que criava uma espécie de carreira paralela e simplificada na formação de oficiais generais próprios da Guarda. Algo de semelhante aos cursos de bolso para engenheiros que depois não são reconhecidos pela Ordem. E por fim, o veto do sensível Estatuto dos Jornalistas, dúvidas presidenciais em especial a respeito das quebras do sigilo profissional e quanto à regulamentação do acesso à profissão.
O PS, com um sorriso indisfarçavelmente amarelo, tenta reduzir o assunto a uma suposta normalidade, como se, por tradição, os presidentes da República não tivessem outro hábito no mês de Agosto que não fosse vetar leis governamentais, umas atrás das outras.
Ora o sentido mais profundo destes vetos não parece, contudo, ser o passado das suas razões, mas o futuro das suas intenções. Com o PSD a dizer que quer uma redução imediata no peso do assalto fiscal que o PS lançou sobre a empobrecida sociedade portuguesa, é da máxima evidência que o Governo se prepara para o fazer apenas nas vésperas das eleições.
Como Sócrates parece cumprir a pior tradição demagógica-eleiçoeira e também a de que uma “maioria absoluta” dos (escassos) votos expressos significa uma tirania privada de quem a conseguiu, Cavaco poderá estar a tentar, com as armas de que dispõe, e até perante os seus, disciplinar a insaciável e pouco escrupulosa vontade de reprodução do poder PS.
Será apenas uma ajuda às oposições parlamentares, ou tratar-se-á de uma (sem dúvida surpreendente) tentativa de introduzir alguma higiene no jogo político socialista de inédita maioria? Em qualquer dos casos, Sócrates e o PS parecem ter algumas razões para se preocuparem. Pelo menos por via das dúvidas.


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