Requisição civil. Agora é a vez dos capitalistas

António Louçã — 12 Março 2020

Quando fazem greve os enfermeiros, os professores,os estivadores, os motoristas de matérias perigosas, foi-se tornando um hábito acusá-los de irresponsabilidade, por negarem ao conjunto da sociedade a prestação de serviços essenciais. E, vai daí, o Governo tem usado e abusado da definição de “serviços mínimos” (na verdade máximos), e tem mesmo recorrido à requisição civil contra os e as grevistas. A pandemia do novo coronavírus coloca na ordem do dia a necessidade de aplicar uma requisição civil verdadeiramente em prol da sociedade toda, desta vez contra os capitalistas que querem manter os negócios de sempre ou tentam mesmo aproveitar-se da emergência para fazer negócios de ocasião.

Quem queria manter os negócios de sempre? As agências de viagens, as cadeias hoteleiras, as transportadoras aéreas. Já viram que não é possível e tentam agora atirar sobre os ombros da classe trabalhadora os sacrifícios que a crise impõe. Com a ajuda do Governo, “em sede de concertação social” e noutras, inventam febrilmente medidas de emergência, quarentenas que na verdade são um lay-off disfarçado, com perda de salário para quem recolhe a casa, mesmo de saúde e contra vontade, e com perda de direitos para quem permanece no local de trabalho, muitas vezes a fazer as suas próprias tarefas e as dos ausentes.

Quem quer fazer negócios de ocasião? Todos os patrões que, alegando contração do mercado, afastam os assalariados do local de trabalho, preparando o terreno para despedimentos ou falências fraudulentas. Todo o patronato, em geral, que procura aproveitar-se da crise para banalizar as suas próprias medidas de emergência, suspendendo contratos colectivos e leis laborais que não lhe convenham.

Mas estas “medidas de emergência” não obedecem à lógica de proteger a sociedade contra o alastramento da doença, e sim de proteger ou potenciar os lucros desta classe dominante egoísta, que continuará a pensar nas suas contas em off-shores mesmo quando o mundo estiver a desmoronar-se.

São precisas medidas de emergência, sim, mas guiadas pelo interesse da sociedade. A associação “Habita” deu um bom exemplo de algumas dessas medidas, ao exigir que se suspendam os despejos: como é possível atirar para a rua uma família de inquilinos e exigir que essa família entre em quarentena? E mais outra: quando o alastramento da doença atingir em Portugal proporções à italiana, com as camas dos hospitais a tornarem-se manifestamente insuficientes, os hotéis, a começar pelos hotéis de luxo, terão de ser civilmente requisitados para os doentes serem socorridos.

Vivemos há muito uma situação de emergência climática, em que o planeta vai sendo inexoravelmente destruído pela voracidade e ganância das multinacionais. Já nos habituámos a ela, anestesiados por uma normalidade que embota a capacidade de resposta. A devastação ambiental, lenta, reptante e gradual permite sempre, aos think tanks com sermão encomendado, semear alguma dúvida paralisante. Mas esta emergência sanitária, agora, tem um carácter imediato e explosivo: ou se impõe desde já a lógica da classe trabalhadora, no interesse da sociedade, ou caminhamos para um abismo sem fundo à vista.


Comentários dos leitores

leonel clérigo 21/3/2020, 17:56

Por onde andam os apressados que apostavam a pés juntos que o Estado-Nação já se tinha evaporado...


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar