Casta de juízes precisa de limpeza geral

António Louçã — 11 Fevereiro 2019

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) entende que um juiz indulgente para com a violência doméstica é um dos seus e não deve ser expulso. Entende bem: não é o juiz que deve ser expulso, é o CSM que deve ser dissolvido para dar lugar a um órgão capaz de varrer de alto a baixo a casta dos juízes.

Na decisão do CSM sobre o juiz Neto de Moura houve mesmo metade dos votos contra a mera advertência dirigida ao magistrado. Teve de ser o voto de qualidade do presidente a desempatar e a fazer passar a pífia admoestação verbal. Por outras palavras, um juiz que invoca a Bíblia, o Corão e um código penal do século XIX para justificar que um marido espanque a mulher com uma moca de pregos deve continuar a fazer parte da casta, porque é um seu digno representante – mesmo que a contragosto o CSM tenha decidido finalmente dar-lhe um amigável puxão de orelhas.

Este é o mesmo CSM que há algum tempo protegeu o mesmo Neto de Moura contra uma queixa da GNR, por ter invocado abusivamente a sua autoridade de juiz, em resposta a um agente que o interpelava por circular num automóvel sem chapas de matrícula. E da absolvição no CSM fez o juiz um trampolim para proceder contra o agente, que algum outro juiz, inspirado pela cumplicidade corporativa, acabou por condenar ao pagamento de uma multa.

É esse corporativismo juizal que explica casos como o de Neto de Moura e, sobretudo, é ele que explica esses casos não serem meras aberrações, mas tão-somente manifestações extremadas de uma regra de comportamento.

É ele que explica, por exemplo, na semana passada, a tragédia do Seixal, em que, apesar da existência comprovada e testemunhada de um crime público, apesar das queixas da vítima, apesar da evidência de pressões que a levavam a retirar essas queixas, e apesar dos próprios alertas policiais, a decisão tomada pelo magistrado do Ministério Público manteve o acesso do agressor à criança, acabando por desencadear o duplo homicídio cometido por este e finalmente o seu suicídio. Onde já se viu um Ministério Público ser mais laxista do que a polícia em matéria de violência doméstica? Aqui e agora, no Portugal do século XXI.

E é também o corporativismo juizal que explica a decisão no ano passado de um tribunal de Gaia, negando o crime de violação por parte de dois seguranças de uma discoteca, com o pretexto de que a vítima teria tido um comportamento de “sedução” – num momento em que se encontrava inconsciente …

E limitamo-nos aqui aos casos recentes relacionados com a violência doméstica ou a violência contra as mulheres. O rol de indignidades da magistratura em matéria de combate ao crime de colarinho daria pano para outras mangas intermináveis.

Mais uma vez: em todo o lado há juízes abusadores de poder e em todo o lado há até algum juiz sensato, honesto e decente. O que tem de acabar é um CSM que protege o abuso de poder, que o encoraja e o potencia para o futuro. Qualquer reforma do sistema judicial tem de começar precisamente por aí: quebrar a espinha ao corporativismo juizal e varrer os estábulos de Áugias do poder judicial.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgoncalves 11/2/2019, 15:20

Ao enunciarmos o valor da justiça em Portugal, quase que se atravessa em nós um arrepio nos ossos. Quer os triibunais ordinários ou os da Relação, ou o chamado Supremo tribunal de Justiça e mesmo o Tribunal Constitucional, temos que concluír pelos seus acórdãos que de facto estamos perante um poder, além de ser anti-democrático temuim poder totalmente protegido por uma imunidade intocável. Os juízes neste país dão-se ao luxo de serem, se quiserem autênticos carrascos, Infelizmente os exemplos abundam em todas as comarcas. Com a liberdade dos carrascos manifestam os seus humores sobre os cidadãos desprotegidos na forma mais repugnante. O exemplo dado por António Louçã é esclarecedor do estado putrefacto em que sencontram estas entidades inckuindo, claro, o Ministério Público. Razão teve Lenine que após o trinfo da Revolução Russa aboliu os tribunais, demitiu todos os magistrados e juízes criando os tribunais revolucionários.

aov 11/2/2019, 17:20

Num sistema reaccionário que enveredou a "nossa" democracia só podia o juiz citar a bíblia ao julgar a este processo para condenar a mulher e defender o homem. O CSM também foi ao encontro do Juiz advertindo o que não deixa de ser caricato.Esta advertência do CSM que é um órgão do estado que fiscaliza os juízes fez o mínimo dos mínimos, se calhar por vergonha depois na opinião publica tinha de optar por uma pena baixa. Varrer os estábulos da magistratura e da Justiça assim como doutros sectores só numa sociedade anárquica por que nesta não há remédio que lhe assista. Aí estes senhores não terão qualquer hipótese de serem juízes, nem a a justiça funcionará desta forma.

Pedro Guerra 3/3/2019, 8:58

«Este é o mesmo CSM que há algum tempo protegeu o mesmo Neto de Moura contra uma queixa da GNR, por ter invocado abusivamente a sua autoridade de juiz, em resposta a um agente que o interpelava por circular num automóvel sem chapas de matrícula. E da absolvição no CSM fez o juiz um trampolim para proceder contra o agente, que algum outro juiz, inspirado pela cumplicidade corporativa, acabou por condenar ao pagamento de uma multa.»
Isto é, literalmente, comportamento de máfia. Não se trata somente de repressão individual dirigida ao militar que se limitou a cumprir o seu dever mas, essencialmente, de um aviso prévio dirigido a todos os outros militares e agentes de segurança pública: «não se metam com os juízes ou nós rebentamos contigo». Pura máfia. Uma lei para nós, outra lei para eles. Gostaria também salientar que, apesar de neste caso em concreto a vítima da máfia dos magistrados ter sido um militar da GNR, é de longe inédito verificar este comportamento de compadrio quando os infratores são elementos das forças de segurança. Quem de nós não tem o seu amigo PSP ou GNR que na hora da Operação Stop se limita a mostrar a sua identifição e nem sequer é sujeito ao teste do álcool? Este segredo aberto é um fenómeno tão recorrente que explicitá-lo é quase redundante. Fica a pergunta: Quis custodiet ipsos custodes?
Convém também não esquecer o caso da rapariga britânica Kate Juby, que foi violada em Portugal à beira da estrada após pedir boleia para o aeroporto. O confesso violador, cujo nome aparentemente não pode ser publicado pelos meios de comunicação social portugueses, apanhou apenas quatro anos e meio de cadeia suspensa. Os comentários de alguns portugueses limitaram-se a exprimir «O que é que ela estava à espera, a pedir boleia sozinha num país estrangeiro?". A justiça é de facto vergonhosa mas com comentários destes por parte de tantos portugueses e portuguesas, por vezes penso que temos a justiça que merecemos.

Emília Montemor 7/3/2019, 17:56

Tenho uma dúvida face ao texto de Pedro Guerra.
Quando no primeiro parágrafo de Pedro Guerra se diz: "...E da absolvição no CSM fez o juiz um trampolim para proceder contra o agente, que algum outro juiz, inspirado pela cumplicidade corporativa, acabou por condenar ao pagamento de uma multa...»
Julgo certo, efectivamente, que há nisto "cumplicidade corporativa".
Mas também julgo que há muito mais: CUMPLICIDADE IDEOLÓGICA.
E não me venham com Histórias da Disney sobre a "imunologia" da Justiça. Já não tenho idade para histórias infantis...
Pergunto: quais as alterações feitas nas velhas leis portuguesas de Salazar a não ser as "gritantes" em desacordo com a Constituição ou as Impostas pela Europa? Como dizia Santana Lopes: será que o Fascismo tem vindo a andar por aí...


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar