“Refundação” do memorando da troika ou a destruição do Estado Social

Pedro Goulart — 5 Novembro 2012

O projecto político de Passos Coelho e da sua gente assenta, desde o início, na existência de um Estado mínimo, destinado à defesa dos interesses da burguesia e mantendo apenas um aparelho de estado – polícias, justiça, defesa e uma parte burocrática – necessário ao domínio económico dos mercados e aos lucros do capital. A Saúde Pública, a Educação Pública e a Segurança Social acabariam, em grande parte, entregues à iniciativa privada, ficando os trabalhadores e os pobres relegados, muitas vezes, para um tratamento caridoso e de carácter assistencialista. Muito este governo já tem feito nesse sentido e só mais não fez até agora porque não o deixaram.

Intervindo nas jornadas parlamentares conjuntas PSD/CDS, o ministro das Finanças sustentou que é preciso adequar as funções do Estado ao montante de impostos que os portugueses estão dispostos a pagar. Segundo Vítor Gaspar, “o sistema político português não foi capaz, até hoje, de apresentar uma associação entre as funções sociais do Estado que são fundamentais – a Educação, a Saúde, a protecção social – e os respectivos custos”. Parece que a enormidade dos juros a pagar (sem contestação) aos agiotas nacionais e internacionais, assim como os elevados lucros de várias empresas, não impressionam tanto Vítor Gaspar.

Também Paulo Macedo afirmava, no mesmo Encontro, que é preciso adaptar o Serviço Nacional de Saúde aos tempos de crise, isto é, “ajustar a despesa do Serviço Nacional de Saúde aos impostos que os portugueses estão disponíveis para pagar”. De salientar que Paulo Macedo aceita que o seu ministério seja um dos que mais perde no OE 2013 (17%), dificultando o acesso de muitos utentes aos cuidados do SNS e favorecendo os Hospitais Privados e as Seguradoras, de que Paulo Macedo tanto gosta!

Nas mesmas jornadas parlamentares, Pedro Mota Soares defendia que é preciso encontrar mais cortes na despesa pública, com o objectivo de aliviar o esforço fiscal. O ministro da Solidariedade e da Segurança Social elogiava os cortes na despesa do Estado de “quase dez mil milhões de euros” já realizados pelo actual Governo, referindo, orgulhoso do feito, a redução das despesas do seu Ministério no OE 2013. Eis o “cristão” ministro da caridadezinha no seu melhor!

Entretanto, já no dia 24, numa cerimónia pública, Passos Coelho afirmava que Portugal deve reduzir o peso da despesa pública para 40% do PIB em duas legislaturas e que essa redução deve estar associada a uma revisão das funções do Estado. Posteriormente, no encerramento das referidas jornadas parlamentares, o primeiro-ministro assegurava que até 2014 se vai realizar uma reforma do Estado, que constituirá “uma refundação do memorando de entendimento”, sustentando que o PS devia estar comprometido com esse processo. E, depois, tivemos conhecimento de mais um facto quase clandestino: os “técnicos” do FMI, afinal, já estavam entre nós, orientando o governo para mais um ataque às funções sociais do Estado – Saúde, Educação e Segurança Social.

Embora o executivo PSD/CDS tenha vindo a navegar aparentemente sem rumo, isso deve-se, sobretudo, à crescente oposição das classes trabalhadoras e do povo. Mas, também aconteceu, devido ao visível amadorismo do actual pessoal governante. Apenas dois exemplos recentes: primeiro, a TSU era fundamental e a seguir deixou-a cair, substituindo-a pelo aumento do IRS; depois, o IMI, sem cláusula de salvaguarda, era para entrar em vigor já no início de 2013, contudo, rapidamente, deu o dito por não dito, recuou, e passou a adoptar novamente a cláusula de salvaguarda.

Mas o projecto político PSD/CDS de um estado mínimo, mínimo só no que convém à burguesia, não estava esquecido e o governo voltou agora à carga, chantageando o PS, procurando arrastá-lo para um apoio que dê cobertura a este projecto, prevendo a possibilidade de ter de recorrer a uma revisão constitucional. Fazendo coincidir o anúncio desta “refundação” com a discussão do Orçamento do Estado, o executivo de Passos Coelho procurou, certamente, distrair as pessoas da brutal carga fiscal que vem aí, em 2013.

Enquanto não derrubarmos a corja que governa o País, por muito que pese a alguns porta-vozes governamentais e comentadores avençados do regime que diariamente peroram na comunicação social, as malfeitorias da troika imperialista não cessarão.


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