Greve geral. Reerguer a luta dos trabalhadores

Editor / António Barata — 18 Novembro 2025

Manifestação contra o pacote laboral. Lisboa 8 novembro 2025

As medidas propostas pelo Governo de alteração ao código do trabalho, fruto de uma concertação absoluta com as confederações patronais, não deixam margem para dúvidas sobre o que pretendem: cortar nas condições de vida dos assalariados e reduzi-los a uma massa de gente sem capacidade de resistência que cada patrão possa manipular como e quando quiser. Depois da grande e combativa manifestação do passado dia 8 contra o pacote laboral, a questão que se coloca é a de fazer da greve geral marcada para 11 de dezembro um ponto de viragem na resistência dos trabalhadores ao patronato e à direita.

O artigo de António Barata que reproduzimos aponta nesse sentido, fazendo um elenco das medidas mais significativas com que o Governo pretende alterar o actual código do trabalho, e sublinhando a necessidade de reerguer a luta dos trabalhadores enquanto classe com interesses próprios a defender.

 

GREVE GERAL, POIS CLARO!

António Barata, Bandeira Vermelha

A vitória eleitoral dos partidos de direita, elegendo mais de dois terços dos deputados e reduzindo a esquerda parlamentar a uma representação simbólica, representa uma séria ameaça para os trabalhadores. Não porque, nos anteriores parlamentos e governos, o PS e a esquerda parlamentar tivessem sido um travão à degradação das condições de vida dos trabalhadores, como o demonstram os 50 anos de governação PS, PDS e CDS, mas porque agora se abrem sem limites as portas aos métodos expeditos e brutais de governação, rompendo com as meias tintas dos governos do bloco central. Circunstância que agrada à burguesia, dado serem esses métodos os que ela diz necessários para atrair investimento, dar incentivos ao capital, facilitar os despedimentos e obrigar os assalariados a trabalhar sempre mais e mais, retirando-lhes as poucas regalias que ainda restam do 25 de Abril.

É o tão desejado regresso aos tempos da troika e dos governos de Passos Coelho, sentindo [os patrões] que voltam a ficar com as mãos ainda mais livres para se desfazer dos milhares de trabalhadores tornados “excedentários” e “descartáveis” pelas novas tecnologias, a automação, a inteligência artificial, a mundialização e a concorrência, e porque há sempre quem trabalhe por um custo menor – a isto chamam modernização.

O modelo económico que nos está a ser imposto

Sinal deste estado de coisas são as propostas de alteração ao código laboral e ao regime de Segurança Social que o governo, com o aplauso das confederações patronais, pretende fazer aprovar, seja pela Assembleia da República ou por decreto – no caso de alguma das mais de 100 medidas de alteração não ser aprovada – e que são apoiadas por toda a direita.

O que aí vem é um ataque brutal ao mundo do trabalho para perpetuar um [sistema] económico que tem como modelo os baixos salários, o “biscate” e a precariedade. Por exemplo:

– tornar o direito à greve em algo inofensivo e meramente simbólico (porque é “intolerável” que grevistas “impeçam outros de ir trabalhar e circular”, perturbem o normal funcionamento da economia, dos serviços e outras “necessidades sociais impreteríveis”);

– acabar com o que ainda resta de contratação colectiva e com as indemnizações aos trabalhadores, facilitando os despedimentos, alargando a precariedade e pondo fim a qualquer outra restrição legal aos despedimentos;

– dar a máxima liberdade ao patronato para fixar horários, salários e funções;

– dar toda a liberdade ao patronato para impor o acordo de trabalho que mais lhe convier a cada trabalhador, independentemente da sua categoria profissional, função e profissão;

– agravar o regime de contrato a prazo, aumentando a sua duração;

– permitir a eternização da contratação a prazo para os trabalhadores que nunca tenham trabalhado com contrato sem termo ou sejam desempregados de longa duração;

– permitir ao patronato passar um contrato sem termo a contrato a prazo;

legalizar a precariedade dos trabalhadores das plataformas digitais;

– subsidiar os patrões que pratiquem baixos salários;

– permitir que os patrões despeçam e voltem a subcontratar (inclusive os mesmos trabalhadores), agora com salários mais baixos;

– reintroduzir os bancos de horas individuais de forma alargar a jornada de trabalho e a acabar com o trabalho extraordinário pago;

– desobrigar os patrões do cumprimento das decisões judiciais favoráveis aos trabalhadores, mesmo em caso de despedimento sem justa causa;

– introduzir a jornada contínua de trabalho para quem precise de sair mais cedo para dar assistência aos filhos, pais ou netos. Ou seja, o trabalhador pode sair mais cedo desde que não faça pausas a que tem direito para almoçar ou descansar; (*)

– criar um sistema de segurança social para pobres (público) e outro para ricos (fundos privados de pensões) desobrigando patrões e trabalhadores de descontarem para a Segurança Social em nome da “liberdade de escolha”;

– desobrigar os patrões do pagamento da TSU (descontos para a Segurança Social);

– deixar ao critério dos patrões haver ou não actividade e propaganda sindical nas suas empresas;

– permitir que o patronato “negoceie” com o trabalhador a redução do salário, por proposta da CIP;

– acabar com o pagamento das faltas justificadas, por proposta da CIP;

– alargar a jornada de trabalho na agricultura para as 10 horas diárias, ou mais, em caso de necessidade, por proposta da CAP.

Por uma greve geral que erga a luta dos trabalhadores

Aos que pensam que a alternativa aos baixos salários, à pobreza, ao trabalho precário e sem direitos poderá estar no demagogo Ventura, dizemos que o Chega e a IL, tal como o PS e o PSD são irmãos gémeos ao serviço de quem nos explora. Que nenhum deles mexerá uma palha para impedir o agravamento do custo de vida e a degradação contínua dos serviços públicos devido ao brutal aumento das despesas com a “Defesa Nacional” e para que se cumpra a vontade da NATO e da UE, nela gastando-se ano após ano 2% da riqueza criada.

É também infundada qualquer esperança nesses partidos de virem a defender os interesses dos trabalhadores contra os dos patrões organizados nas confederações patronais (CIP, CAP e CCP) e as “reformas estruturais” impostas pela União Europeia.

Esta brutal ofensiva contra os trabalhadores acontece quando mais de um em cada três trabalhadores ou está desempregado, ou trabalha sem contrato, ou a recibos verdes ou a prazo, ou é temporário; quando mais de um em cada cinco trabalhadores é pobre, situação que se mantém inalterada há mais de 30 anos.

Os dados da Segurança Social mostram que a maioria dos trabalhadores em Portugal ganha menos de 1000 euros por mês, que 3,4 milhões de pessoas recebem salários entre os 800 euros e os mil euros e que 2 milhões de pensionistas recebem até 658 euros. E não vão ser os 1100 euros de salário mínimo prometidos pelo governo para daqui a 4 anos que irão alterar a situação de carência em que vive quem trabalha.

Enquanto isso, há mais de uma década que a banca, as seguradoras, os grandes supermercados, as petrolíferas e o imobiliário vêm registando, ano após ano, sucessivos e exorbitantes lucros, distribuindo milionários e obscenos dividendos aos seus accionistas.

[Fazer da greve geral um ponto de viragem]

Se queremos derrotar o governo e o patronato e travar a ofensiva em curso contra quem trabalha, o que há a fazer é reunir forças e multiplicar as lutas contra este regime.

Não basta enumerar as malfeitorias do patronato, como o fazem (e bem) o PCP, a CGTP ou o BE. É preciso que à força da razão se junte a razão da força. Que o descontentamento dos trabalhadores se manifeste em algo mais convincente e poderoso que as rotineiras manifestações e greves pouco mais que simbólicas.

É necessário fazer desta greve geral um ponto de viragem, fazendo com que os trabalhadores comecem a ganhar confiança na sua capacidade de luta. Resta é saber se há vontade e capacidade para tal, se os partidos ditos de esquerda e as centrais sindicais estão dispostos a dar esse passo, o que só acontecerá se os trabalhadores os forçarem a isso. Portanto, é necessário que a greve geral seja organizada a partir de baixo, nos locais de trabalho, realizando-se para esse fim assembleias alargadas para mobilizar os trabalhadores a organizar e coordenar.

A greve geral não pode servir só para marcar presença, para dizer que somos muitos e que não queremos menos direitos e salário. Se queremos derrotar as pretensões do governo e do patronato é necessário que ela inicie um processo alargado e unitário de mobilização dos trabalhadores portugueses e imigrantes a partir da base, dos locais de trabalho, de forma a que as diversas lutas por melhores salários e direitos endureçam e convirjam num movimento contra o governo e o capital.

Os patrões só investem se lhes garantirem baixos salários, altos ritmos de trabalho, desemprego e precariedade – e é esse o objectivo da reforma laboral.

Porque vivemos sob a ditadura da burguesia, as coisas só mudam se essa luta tiver como fim derrubar o sistema capitalista/burguês, impondo uma sociedade de iguais e sem exploração. É esta consciência que tarda em penetrar a massa trabalhadora e tolhe a sua confiança nas suas capacidades para vencer e limita o alcance das suas lutas. Desejável seria que esta greve geral iniciasse um processo que desse alguns passos nesse sentido.

——

Notas do editor

(*) O regime de jornada contínua já existe em funções públicas. Inclui uma pausa de 30 minutos e a redução em uma hora do período de trabalho diário normal, mas sem diminuição do cumprimento das tarefas do trabalhador. Ou seja, obriga a maior ritmo de trabalho. Por maioria de razão, assim será na actividade privada.

Na presente publicação, o texto original foi ligeiramente editado.


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