NATO e UE empurram-nos para a guerra
Manuel Raposo — 17 Julho 2025

As últimas semanas deram a conhecer mais um capítulo do avassalamento da Europa perante o imperialismo norte-americano. Os 5% de despesas militares exigidos por Trump aos membros da NATO, mais o compromisso dos europeus de sustentarem a guerra na Ucrânia comprando material militar aos EUA, mais as tarifas aduaneiras impostas às exportações europeias significam a completa submissão da Europa aos desígnios norte-americanos.
A ruína da economia europeia operada pelos planos da administração Biden (quer mobilizando a Europa para a guerra na Ucrânia, quer obrigando ao corte das relações comerciais com a Rússia) está a ser completada pela administração Trump de forma mais teatral, mas não menos eficaz.
Na sua origem, esta é uma disputa entre potências que se debatem com o declínio económico dos seus capitalismos envelhecidos, tratando a mais poderosa delas de submeter aos seus interesses a potência mais fraca. O sub-imperialismo europeu, que prosperou enquanto pôde debaixo da asa do imperialismo dominante, resigna-se agora à sua sorte de força subalterna quando o curso do mundo já não proporciona maná que dê para ambos.
Mas dizer apenas que se trata de uma disputa de potências seria pouco. E seria politicamente suicida se não acrescentássemos o óbvio: será a massa trabalhadora em primeiro lugar e os povos europeus em geral que vão pagar (já estão a pagar!) a factura desta disputa. Disputa esta que atinge as suas condições materiais de vida, determina as alterações políticas que estão em curso no quadro de cada país, e leva a extremos o risco puro e simples de sobrevivência que a aposta belicista dos dirigentes europeus e norte-americanos está a gerar.
A guerra como política e como negócio
A escolha feita pela maioria dos dirigentes europeus (principalmente da UE e do Reino Unido) de prolongar indefinidamente a guerra na Ucrânia é talvez o mais eloquente sinal da sua fraqueza. A UE, como em geral a Europa, está economicamente em marasmo e politicamente esgotada. As divisões internas são patentes num e noutro plano. Todos os objectivos propalados de criar uma união política, de promover prosperidade, de constituir um bastião de democracia e de liberdades (fosse lá o que isso fosse na boca dos líderes europeus) está hoje posto de lado.
As décadas “de paz” de que a UE até há pouco se vangloriava (apenas dentro de portas, esquecendo a Jugoslávia, a Síria, a Líbia, etc.) redundaram numa raivosa e cega política de guerra anti-russa, e em planos multimilionários para se armar até aos dentes.
É porque não têm futuro político e porque não têm horizontes de prosperidade para oferecer aos seus povos que as lideranças da UE e da maioria da Europa enveredam pela aventura militar, atrás dos EUA, como siameses inseparáveis.
Os últimos três anos clarificaram uma situação que se esboçava de há tempos. O capitalismo europeu está entalado (sob todos os aspectos, económicos e políticos) entre o ainda poderoso imperialismo norte-americano, em perda de velocidade, e uma China em crescimento contínuo – melhor, a China, mais a Rússia, mais os BRICS, mais a Organização de Cooperação de Xangai, que constituem o núcleo duro, político e económico, do chamado Sul Global.
Com a guerra na Ucrânia, a economia europeia baqueou, atingida nomeadamente no seu bastião industrial que era a Alemanha. A operação Nordstream, conduzida pelo governo Biden como um puro acto de pirataria, foi o sinal inequívoco de que a guerra promovida pelos EUA contra a Rússia era também, inevitavelmente, uma guerra pela submissão da Europa.
Desde 2022, com as sanções à Rússia, a economia europeia estagnou. A Alemanha atravessa agora o terceiro ano consecutivo de recessão. Nos últimos 10-15 anos o PIB da Europa passou de 90% do PIB norte-americano para apenas 65%, revelou Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase, num evento recente em Dublin (esquecendo-se de acrescentar: arruinada em grande parte pelos EUA). Como poderia a Europa, mantendo-se os dados da situação, ter esperança de se erguer como concorrente, em duas frentes, dos EUA e da China-mais-parceiros? Sem escolha, encostou-se ao lado onde sempre esteve acomodada – agora resignada à condição de vassalo.
O rearmamento de Europa e a inflexão belicista da sua política são, portanto, uma fuga para a frente. Sem possibilidade de reerguer uma economia assente em bens de consumo para toda a gente (num quadro de excesso de produção global e défice proporcional de poder de compra), atrasada irremediavelmente na corrida pelas tecnologias de ponta, a Europa envereda por criar uma indústria de desperdício massivo, constante e assegurado, com financiamento garantido por parte dos Estados. Isto significa que o centro da economia europeia se desloca, por acção planeada de quem a dirige, da produção de bens e de serviços (nomeadamente, sociais) para o armamento. É o caminho certo para um futuro próximo de penúria agravada.
Quer o aumento dos gastos em “Defesa” exigidos por Washington, quer os planos de rearmamento gizados em Bruxelas, obrigam os Estados a intervir como financiadores da indústria de guerra e, consequentemente, como agentes da extorsão de valor suplementar que tal política implica. Quer dizer, será inevitável praticar maiores punções sobre os salários e as pensões, e em geral sobre os rendimentos directos e indirectos do trabalho, com prejuízo inevitável da saúde pública, da escola, da habitação, das infraestruturas, …
Com o dito rearmamento, sob as vestes de uma “re-industrialização” apresentada como se fosse um renascimento económico, o que está realmente em marcha é a montagem de uma máquina de desperdício programado e de extorsão impiedosa para financiar o desperdício.
Ora, o desperdício militar exige, ou um estado de guerra permanente, ou a ameaça permanente de uma guerra por vir. A Europa está a apostar nas duas vias: prolongar até poder a guerra em curso na Ucrânia, e criar desde já o fantasma de uma guerra próxima de que a Rússia é o pretexto.
A arma do medo
Para dar argumentos a esta manobra, torna-se necessário inventar um perigo que convença trabalhadores e povos a acatar o esbulho das suas condições de vida e a aceitar como fatalidade uma política contrária aos seus básicos interesses de sobrevivência.
O “perigo” explorado nos últimos três anos tem a ver com uma suposta ameaça das “autocracias” contra as “democracias” – quando são as próprias democracias capitalistas que vão soçobrando a partir de dentro sob as investidas do neofascismo, desgastadas por uma degradação económica permanente e sem solução.
O novo “perigo” é a iminência de um ataque russo à Europa (“dentro de uns anos”), ideia forjada de cabo a rabo nos bastidores da NATO e da Europa. Tão grosseiramente forjada que nem Trump lhe dá crédito – mas se for para convencer os europeus a pagar os 5%, tudo bem, justifiquem-se como quiserem, dirão os da Casa Branca.
O mesmo procedimento foi posto em marcha com a montagem da Guerra Fria e da Cortina de Ferro. Com o fim da segunda grande guerra, a gigantesca indústria militar norte-americana precisava de continuar a operar, sob pena de ruína. Mais tarde, esgotado o perigo soviético com o fim da URSS, foram a expansão da NATO para o leste europeu e a guerra ao “terrorismo internacional” que fizeram as vezes.
A Europa, sem grande imaginação, desenterra o enferrujado chavão “Vêm aí os russos!”. O ignóbil Mark Rutte – o líder da NATO que menos esconde o servilismo diante do patrão norte-americano – diz sem pudor que é preciso criar “uma mentalidade de guerra” e pagar em conformidade. E, para encurtar razões, aponta aos governos onde ir buscar o dinheiro: às pensões e aos serviços públicos, acabando com esse luxo que é o Estado Social.
As consequências políticas desta deriva são fáceis de imaginar. Por razões de “segurança nacional”, pelo menos boa parte do sector industrial do armamento será certamente mantido ao abrigo de greves, de organizações sindicais, de reivindicações e de outros direitos laborais. O mesmo, se necessário for, para portos, aeroportos, centros logísticos e meios de transporte quando considerados “estratégicos”. Acrescente-se o controlo dos meios de comunicação ou a proibição de manifestações públicas sempre que os superiores interesses do Estado possam ser invocados.
A “mentalidade de guerra” justifica a entrega do poder político de facto a uma pequena casta encarregada de velar pela nossa “segurança” e de distribuir os recursos económicos de acordo com a suprema necessidade da “defesa do mundo livre”.
Nós por cá
Neste ambiente de sujeição a planos guerreiros, o Estado português encaixa-se na perfeição, como súbdito obediente.
Presidência da República e Governo, no mês passado, mostraram a mais completa subordinação aos EUA quando dezenas de aviões militares usaram a Base das Lajes em apoio do ataque ao Irão, em contravenção de toda a legalidade internacional. A justificação, dada por Marcelo e por Montenegro em uníssono, foi simplesmente a do cumprimento do acordo firmado com os EUA para uso da base. “Ponto final parágrafo”, sublinhou Marcelo para encerrar a conversa, ignorando por completo a natureza da acção militar levada a cabo.
Ambos chegaram mesmo ao ridículo de se prestarem a desculpas esfarrapadas, como a de que os aviões “não eram de ataque”, mas apenas de abastecimento. Também há 22 anos os então governantes Durão Barroso e Paulo Portas – com inteira passividade do então presidente da República, Jorge Sampaio – receberam, igualmente nas Lajes, George Bush e Tony Blair, e juraram na altura ter visto as provas das armas de destruição massiva que serviram de pretexto, três dias depois, para a invasão do Iraque.
O agora chefe do Governo esforça-se até, perante o ultimato dos 5%, por se evidenciar como o melhor aluno da turma. Já este ano, prometeu ele, vai aumentar a contribuição para as despesas em “Defesa” em mais de mil milhões de euros, seguindo-se um calendário de aumento ano a ano até à meta que os EUA reclamam.
Garante ele que não vai haver cortes nos apoios sociais, mas isso são apenas palavras de conveniência para sossegar os espíritos, sabendo-se das verbas colossais que estão em causa e do escândalo evidente de tais gastos quando confrontados com as necessidades gritantes do país. Com uma economia praticamente estagnada, com cortes nos impostos sobre o capital diminuindo as receitas do Estado, sabendo-se que o dinheiro não é elástico, será seguramente nos rendimentos do trabalho que o Governo irá buscar o que lhe faltar para pagar as aventuras planeadas em Washington e em Bruxelas.