Uma admissão pública da degradação moral do Ocidente

Editor / Roger Waters — 20 Maio 2025

“Ou aceitam os nossos planos de roubar a vossa terra e construir um campo de golfe ou matamo-vos”.

Roger Waters, compositor e músico inglês que integrou os Pink Floyd, tem sido uma das vozes mais sonoras pela causa da Palestina. Na sua denúncia dos crimes israelitas não poupa palavras: Israel é um estado pária, protegido pelos EUA, que comete, à vista de todos, descarados crimes de guerra, genocídio, limpeza étnica, em mais de 75 anos de existência.

Na mensagem em vídeo que transcrevemos, Waters apela de forma vigorosa à luta pela causa palestina. “Por nossa parte”, garante, “não seremos silenciados, este coro é um coro global e não nos vamos embora”.

Uma posição que contrasta de modo flagrante com a miserável protecção que a União Europeia de Radiodifusão – e, por cumplicidade, a RTP – acabaram de dar a Israel no Festival Eurovisão da Canção.

O QUE O MUNDO PRECISA AGORA É MAIORES COJONES

Roger Waters

10 de maio. Alguém se lembra daquele filme “Bob e Carol e Ted e Alice”? Acho que era a Dionne Warwick no final a cantar: “O que o mundo precisa agora é de amor, doce amor.” [“What the world needs now is love, sweet love.”] Sim, lembram-se disso? Eu também. Bem, o que o mundo precisa agora é de maiores cojones. Estou a ler isto: o que o mundo precisa agora é de maiores cojones.

A 3 de novembro de 1950, a Assembleia Geral [das Nações Unidas] aprovou a resolução 377, A (V), Unir pela Paz. Poderia citar tudo, mas levaria muito tempo. Basicamente, é uma resolução aprovada devido ao facto de os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança terem, todos, o poder de vetar qualquer resolução do Conselho de Segurança – e isso poder ser uma chatice.

Assim, a Unir pela Paz diz que se algo realmente, realmente mau estiver a acontecer no mundo e ameaçar a paz mundial, e um dos membros permanentes estiver a usar o seu poder de veto para impedir as Nações Unidas de pôr fim à coisa realmente má, os povos das Nações Unidas têm o poder de contornar o Conselho de Segurança, evocando a Unir pela Paz e convocar uma sessão de emergência da Assembleia Geral para fazer algo sobre a coisa realmente muito má.

Bem, algo muito, muito mau está a acontecer no mundo. Desde outubro de 2023 que o Estado pária de Israel comete aberta e descaradamente limpeza étnica e genocídio em Gaza. E os Estados Unidos da América têm usado o seu poder de veto para apoiar esta limpeza étnica e genocídio. Especificamente em resposta a isto, no dia 18 de abril do ano passado, quando os EUA vetaram uma resolução do Conselho de Segurança para recomendar a filiação plena do Estado da Palestina na ONU criaram exactamente o cenário descrito em Unir pela Paz 377, A (V).

A Assembleia Geral respondeu correctamente e no dia 18 de setembro do ano passado, numa sessão de emergência, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou de forma esmagadora uma resolução exigindo o fim imediato da ocupação ilegal de terras palestinianas por Israel, com 124 nações a votarem a favor, 14 contra e 43 abstenções. Esta é uma maioria enorme. Aliás, esta resolução ES10/24 resultou de um parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça que considerou ilegal a ocupação do território palestiniano por Israel. Isto deveria ter sido o fim de tudo, mas não foi.

O que aconteceu em resposta? Nada. O Estado pária de Israel não só ignorou a resolução ES10/24 da Assembleia Geral desde que foi adoptada há sete meses, como, há apenas algumas semanas, Benjamin Netanyahu e Donald Trump estiveram sentados na Sala Oval da Casa Branca, em Washington DC. E em violação de todas as leis internacionais existentes, incluindo as Convenções de Genebra e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, anunciaram em directo na TV a intenção de realizar uma limpeza étnica em Gaza para construir um resort à beira-mar.

Com ar presunçoso, Donald Trump, sentado ao lado do seu convidado, o acusado de crimes de guerra Bibi Netanyahu, descreveu Gaza como uma bela propriedade de primeiro quilate. O presidente Trump inclinou-se para a frente na sua cadeira e sugeriu que fosse oferecida uma escolha ao povo de Gaza. “Ou fazem as malas pela enésima vez e saem voluntariamente de Gaza ou vamos matar-vos. À vossa escolha”. Encolheu os ombros, formando um pequeno O com os lábios – sabem como é. É isto que passa por diplomacia hoje em dia? “Ou aceitam os nossos planos de roubar a vossa terra e construir um campo de golfe ou matamo-vos”.

Alguém que se tenha dado ao trabalho de estudar a história da Palestina sabe o que se passou? Sim, colegas. Colegas, prestem atenção. Esta história não começou a 7 de outubro de 2023. Não. Começou muito antes disso. Gangues sionistas armados – e posso citar três deles: Irgun, Stern, Haganah – esses gangues de terroristas iniciaram campanhas de limpeza étnica e assassinatos na Palestina logo após a Segunda Guerra Mundial. Estas campanhas culminaram numa série de massacres e na expulsão de 700.000 pessoas indígenas, provocando a criação violenta do estado sionista de Israel em maio de 1948.

Harry Truman, o então presidente dos Estados Unidos, que não era um grande estudioso, segundo me disseram, foi totalmente a favor. O seu apoio pessoal ao novo estado foi meteórico na velocidade com que tomou a decisão. Não passou despercebido na altura. E esta é uma história contada, aliás, por JFK[ennedy] através de Gore Vidal. Não passou despercebido na altura que Harry Truman tinha recebido recentemente uma contribuição de campanha de 2 milhões de dólares de um rico sionista.

Alguma coisa disto vos parece familiar? Portanto, aí está um facto consumado com o endosso dos EUA. Mas o novo Estado precisava de manter as suas ambições genocidas em segredo do resto do mundo. Portanto, como questão de política, desde o início mentiram com todos os dentes. “Vamos ser uma democracia”, gabaram-se eles. “Na verdade, queremos viver em paz com todas as pessoas do sítio”. Claro, era uma mentira descarada, uma mentira que já repetem há 75 anos, geração após geração.

Até que a 7 de outubro de 2023, no campo de refugiados denominado Gaza, algumas das vítimas de 75 anos de limpeza étnica e genocídio crescente, num ato de resistência armada, derrubaram os muros da prisão e atacaram alguns dos guardas. É isso que os povos ocupados fazem. É normal. É inevitável. É compreensível. E também é 100% legal. O que é 100% ilegal é a ocupação de terras palestinianas, o cerco e matar as pessoas à fome.

O Estado israelita ocupante, etno-supremacista, e o seu principal apoiante, os Estados Unidos da América, não ficaram nada satisfeitos com este acto de resistência. Então, arrancaram as suas máscaras democráticas/pacíficas e embarcaram no massacre genocida em massa dos restantes prisioneiros em Gaza. Homens, mulheres, crianças, bebés, médicos, enfermeiros, jornalistas, artistas, toda a gente. Todos nós testemunhámos o horror no último ano e meio.

Portanto, a repugnante discussão entre Donald Trump e Bibi Netanyahu na Sala Oval, há algumas semanas, foi uma admissão pública e aberta da degradação moral absoluta e total da civilização ocidental.

As pessoas vão trazer isto à tona, por isso eu também vou. Civis israelitas foram mortos durante a fuga da prisão, a 7 de outubro. Alguns deles naquele festival de música de que o Bono [da banda U2] está sempre a falar. Estas mortes foram um crime de guerra. O Hamas – oh, posso dizer Hamas? – o Hamas aceita isso. O Hamas declarou que não era sua intenção matar civis. Civis israelitas também foram mortos por Israel nesse dia. A directiva Hannibal. […] Naquele dia, isso foi também um crime de guerra.

Nós, o povo, gostaríamos de ver um inquérito independente sobre o dia 7 de outubro para descobrir o que realmente aconteceu e quem realmente matou quem. Israel, claro, não permitirá tal investigação. Tudo bem.

Desde então, Israel, com o apoio absoluto dos EUA, como sempre, e de outros, tem vindo sistematicamente a prosseguir a sua política genocida, assassinando dezenas de milhares de civis em Gaza, especialmente crianças inocentes, muitas vezes fazendo-as explodir em pedaços com bombas de 900 quilos. Os pedaços dos corpos são recolhidos em sacos de plástico por familiares ou trabalhadores humanitários. Um crime de guerra para lá de qualquer proporção, um genocídio.

Então o que fazer? Bem, isso depende de quem vocês forem. Se já fazem parte da resistência global a esta mentira repugnante, continuem a resistir. Acabei de ver um filme sobre como a Palestine Action no Reino Unido expulsou a Elbit Systems, um fabricante israelita de armas. Bem feito, Palestine Action!

O resto de nós deve continuar a levantar a voz e é isso que faremos. Precisamos de continuar a ocupar os campus de todas as universidades do país. Aliás, há dois dias [os estudantes] regressaram à [Universidade] de Columbia e ocuparam a biblioteca e 75 deles foram presos com os seus kefiehs e levados pela polícia fascista. Bem conseguido, quem quer que tenha estado em Columbia! Estamos convosco!

Hum, em todo o mundo… onde é que eu ia? Principalmente a Alemanha e o Reino Unido. O que há de errado com estes países? Criminalizam os protestos pacíficos contra um genocídio? O quê?!

Voltando à Unir pela Paz. Devemos manter as nossas exigências de cumprimento do direito internacional. O que Trump, Netanyahu, Starmer, Schulz e os outros estão a sugerir não é apenas ilegal, é criminosamente insano. Nós, neste movimento de resistência, temos a obrigação moral de continuar a levantar a voz durante o tempo que for necessário. Devemos sair à rua em cada cidade, cada vila, cada aldeia, em cada país do mundo inteiro. Precisamos de agradecer ao povo do Iémen, os Houthis, pela sua posição heróica contra este genocídio.

E ali, no estado pária de Israel, do outro lado do muro ilegal, solidarizamo-nos com a resistência. Pessoas como os nossos amigos Gideon Levy e Diana Buttu e Nurit Peled ou organizações como Breaking the Silence. Saudamos todos vós. Vocês dão-nos esperança.

Se, por outro lado, você faz parte da maioria em Israel que aparentemente tem apoiado a ocupação ilegal de terras palestinianas durante todos estes anos, toda a limpeza étnica e genocídio – baixe a cabeça com vergonha. Implore o perdão da humanidade. Desaprenda a mentira de que é, de alguma forma, melhor do que o resto de nós – porque não é. A verdade e a reconciliação podem ser uma grande cura. Mas primeiro, precisa de acordar do seu pesadelo etno-supremacista.

Por nossa parte, não seremos silenciados. Este coro é um coro global e não nos vamos embora. As nossas vozes unidas em harmonia podem fazer e farão um rugido poderoso. Donald Trump e Bibi Netanyahu são quase certamente causas perdidas, mas aqui, nas ruas, todos nós estamos apenas a começar. E é minha crença, minha crença, que este coro, armado que está de amor e verdade, este coro com todas as nossas vozes unidas em harmonia, pode virar este navio. Vamos fazê-lo. Unidos pela paz e pela sanidade, com amor e verdade nos nossos corações. Vamos virar este navio.

 


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