É só fumaça?

M. Gouveia — 16 Maio 2008

socratescigarro_72dpi.jpgÀ primeira vista, o incidente do cigarro de Sócrates não merece mais que um título “Se fumar mata, o ridículo também”.
Mas vejamos: houve uma denúncia sobre esta prevaricação do primeiro-ministro. Houve alarde em toda a comunicação social. Sócrates fez uma contrição pública. Não serão alarmantes sintomas de que estamos numa sociedade vigiada, hipócrita e moralista? E de que o exercício público da política está a ser intencional e subrepticiamente substituído por uma cultura telenovelesca para desviar a atenção dos cidadãos dos verdadeiros problemas e assim os reduzir a espectadores passivos de uma medíocre farsa, encenada para esconder a tragédia que se passa nos bastidores e de que eles são as vítimas?

As palavras de Sócrates neste episódio, não nos fazem lembrar nada?

“Estava convencido de que não estava a violar nenhuma lei nem nenhum regulamento. Lamento e peço desculpa, não voltará acontecer”. São as mesmas palavras que utiliza para justificar a violação das promessas eleitorais: quando as fez “estava convencido de que era outro o estado real do país”. Enganou os eleitores (ainda não pediu desculpa mas lá chegaremos) e agora promete que não voltará a acontecer.

Quando faz promessas sobre a sua vida privada (“Decidi deixar de fumar”), encolhemos os ombros e pensamos: “Não temos nada com isso. Nem sequer é possível fiscalizar o cumprimento da promessa. E nada acontece se a não cumprir”. Damos por nós a achar bem que alguém se tenha lembrado de fazer queixa do primeiro-ministro, neste país de polícias e ladrões. Damos por nós a achar bem que a comunicação social ocupe tanto espaço e tempo com este assunto para que fiquemos bem informados sobre os nossos governantes. Damos por nós a discutir se ele deve ou não pagar multa, imbuídos de respeito pelas leis. E até damos por nós a simpatizar com este seu “rosto humano” de quem viola regras por um pequeno prazer e, qual menino de coro apanhado em falta, pede desculpa e promete não mais voltar a pecar!

“Este episódio despertou-me para o facto de os fumadores, inconscientemente, poderem violar leis e regulamentos que desconhecem”, disse. E a nós? o que é que nos desperta?

Enquanto a maioria, inconscientemente, se deixa levar em brincadeiras, há uma minoria que não brinca em serviço. Com ou sem fumaça.


Comentários dos leitores

M. Costa 2/6/2008, 15:19

Não, não é só fumaça!
Encontrei esta notícia no Público de 31 de Maio (p. 13): «Há fumadores que estão a ser alvo de processos disciplinares conducentes ao despedimento, no âmbito da Lei do Tabaco, que começa a ser usada como "instrumento" para dispensar funcionários indesejados. Os patrões falam em quebras de produtividade de 15 por cento e admitem penalizações laborais.»
Parece que os patrões conhecem bem as Leis que o Primeiro-Ministro faz aprovar: saberia Sócrates que a Lei do Tabaco poderia vir a ser tão útil aos patrões?


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