Um perseguido em redor do mundo

João Bernardo — 20 Janeiro 2008

battisti.JPGOs órgãos de informação de massas esforçam-se por legitimar ideologicamente as medidas antiterroristas, apresentando-as como uma necessária preservação dos valores da tolerância contra o fundamentalismo islâmico. Esquecem-se − ou, mais exactamente, procuram fazer esquecer − que o governo de Washington é integrado por fundamentalistas religiosos não menos fanáticos e que conta como principais apoios entre os países muçulmanos a Arábia Saudita, esse exemplo de feminismo e de liberdade religiosa, e o Paquistão, outro exemplo de perfeito funcionamento das regras parlamentares. E esquecem ainda que as medidas antiterroristas, não só agora mas desde há muito, se têm destinado a perseguir os que lutam contra o capitalismo.

Cesare Battisti nasceu na Itália em Dezembro de 1954. Em 1968 participou na contestação estudantil e a partir de 1971 foi preso várias vezes, acusado de roubos e outros pequenos delitos. Em 1974 foi condenado a seis anos de prisão por assalto à mão armada, e no interior das cadeias conheceu vários militantes da extrema-esquerda extra-parlamentar, que contribuíram para politizar o seu sentido de revolta e influenciaram decisivamente a sua evolução. Libertado em 1976 e perseguido de novo, Battisti passou à clandestinidade e estabeleceu-se em Milão, onde começou a militar no grupo clandestino Proletários Armados pelo Comunismo (PAC).
Fundado em 1976 ou 1977 e contando com cerca de seis dezenas de membros, na maior parte de origem operária, o PAC defendia uma orientação de carácter marxista e autonomista e diferenciava-se das Brigadas Vermelhas por ter uma hierarquia interna mais descentralizada e menos rígida.

Em Fevereiro de 1979 Battisti foi preso e condenado dois anos depois por pertencer a um grupo armado. Em Outubro de 1981, com a ajuda de outros militantes do PAC, ele conseguiu evadir-se e refugiou-se em França, onde viveu clandestinamente durante cerca de um ano. Em 1982 foi para o México e iniciou aí uma carreira de escritor, fundando em 1986 a revista cultural Via Libre, além de animar outras actividades artísticas.

Entretanto, na sequência de delações premiadas e de declarações de presos obtidas sob tortura, Battisti foi acusado de participação em quatro homicídios realizados pelo PAC em 1978 e 1979, e em 1988 foi julgado à revelia e condenado à prisão perpétua. Todavia, em vários textos publicados Battisti afirmou repetidamente que renunciara à luta armada em 1978, na sequência do assassinato de Aldo Moro, e negou a sua implicação naqueles homicídios.

Em 1990, confiando nas declarações proferidas pelo presidente Mitterrand cinco anos antes, de que não entregaria à Itália os membros de antigas organizações da extrema-esquerda extra-parlamentar que houvessem renunciado à violência, Battisti regressou a Paris e foi preso pouco depois devido a um pedido de extradição apresentado pelo governo italiano. Porém, em Maio de 1991 os tribunais franceses recusaram a extradição e Battisti foi posto em liberdade, continuando a escrever romances e a fazer traduções. Jamais desistindo de o capturar, o governo italiano insistiu na extradição, até que em Fevereiro de 2004 Battisti viu-se preso outra vez e em Junho os tribunais superiores franceses autorizaram a sua entrega às autoridades italianas. Fugido e de novo clandestino, Battisti acabou por ser preso no Rio de Janeiro em Março de 2007, graças a uma operação conjunta das polícias brasileira e francesa.

E assim, em mais um episódio desta perseguição de cães de fila, no dia 18 de Janeiro de 2008 decorreu no Supremo Tribunal Federal, em Brasília, a primeira audiência do pedido de extradição de Cesare Battisti, prisioneiro político italiano num cárcere brasileiro.


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