Juventude em Marcha

M. Gouveia — 21 Dezembro 2007

juventudeemmarca_72dpi.jpgConforme o MV noticiou, este último filme de Pedro Costa sobre a comunidade cabo-verdiana (cujo título remete para um hino de libertação de Cabo Verde) foi considerado pela Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles como o melhor filme independente que estreou este ano nos EUA.

O filme
Ventura veio de Cabo Verde para Portugal em 1972 para trabalhar nas obras. Um dos primeiros a construir uma barraca no bairro das Fontaínhas, no subúrbio lisboeta, deambula agora entre o que resta do bairro e os apartamentos onde os habitantes estão a ser realojados, encontrando filhos, amigos, vizinhos. Figuras reais que vão contando histórias, sabendo que “não há remédio: jamais poderemos deixar de ver”.

Entre o passado e o presente, com a elegância e a delicadeza de um príncipe saído não da aristocracia (como o “Leopardo” de Visconti) mas da classe operária, Ventura confronta-se com o fim do seu mundo: solidariedade familiar e vida comunitária nas ruelas do seu bairro pobre e sujo. Mas muito mais humanizado que a opressiva brancura das paredes sem passado das novas casas, mal construídas e mal planeadas onde ele não se encontra nem encontra nada.

Uma carta de Ventura “para mandar saudades”, dita e redita ao longo do filme, é, para Pedro Costa, “um testamento moral e político, uma declaração de guerra”.

Nas filmagens
Pedro Costa passou com o Ventura na Avenida de Berna e ele disse “Fui eu que sentei ali o senhor Gulbenkian e o pinguim” (referia-se à estátua de Calouste Gulbenkian com a figura do deus Horus). Passou três anos a trabalhar nos esgotos, a assentar as lajes do chão do Centro de Arte Moderna, a limpar o jardim, mas, agora, o Segurança não o queria deixar entrar. Acompanhado por Pedro Costa, entrou e fez uma visita ao museu. Tendo-lhe pedido que escolhesse um quadro, ele apontou para “A fuga para o Egipto”, do grande pintor flamengo Rubens (1577-1640) e Pedro Costa filmou: “o Ventura olha para ele, mas não é só o quadro que ele vê. Vê também o cimento da parede que o está a segurar e que ele se orgulha de ter construído”. (Nessa cena do filme, o filho de Ventura é Segurança e explica como o trabalho é diferente num hipermercado dos subúrbios e naquele museu. A diferença entre o uso de “mão de ferro” e de “mão de ferro com luvas brancas”).

Coincidência ou não, Rubens dizia: “Não pinto para o marchand da Côte d’Azur, pinto para o operário que está a construir aquela casa ali em frente, mesmo sabendo que ele provavelmente não vai querer o meu quadro”.

Os actores
“As pessoas com quem fiz o filme estão desempregadas. Estão sempre à procura de emprego, às vezes arranjam, mas dois dias depois são despedidos. Com as filmagens, eles voltam não só a ganhar dinheiro como, acho eu, voltam a pensar, a sentir a reflectir. Quando eles estão a trabalhar, em trabalhos tão pesados (são pedreiros, etc), é um trabalho tão duro que é difícil uma pessoa manter-se viva” (Pedro Costa).


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