A chama da revolução

João Bernardo — 6 Novembro 2007

Em Setembro deste ano passei uma semana em São Petersburgo, a antiga Leninegrado. Entre o Rio Neva e as traseiras do Museu Russo, nas proximidades do Museu do Hermitage, existe um vasto parque. A primeira vez que o atravessei era de manhã cedo. Eu queria estar à porta do Museu Russo antes da hora de abertura, para ser dos primeiros a entrar. A meio do parque havia uma grande chama, quase rente ao chão, saindo de um plinto baixo, de pedra, e ladeada por quatro bandeiras vermelhas. Não tinham martelo nem foice, as bandeiras, eram só vermelhas, e a chama ardia em homenagem aos mortos da Revolução. As bandeiras eram velhas e em mau estado, e muito mais velho do que elas e com a roupa ainda mais decrépita era o senhor que tomava conta da chama. Levava na mão um instrumento comprido, não percebi bem o que fazia. Deitado no saibro, com a cabeça apoiada no plinto de pedra e a uns escassos centímetros das labaredas, dormia um homem novo, enorme, atlético, completamente embriagado. Fazia frio, eu ia de cachecol e com o sobretudo abotoado, mas o homem estava descalço, certamente lhe haviam roubado os sapatos durante a noite. Ao lado dele, uma garrafa de vodka vazia. Passei por ali noutras manhãs e vi que se tratava de um ponto de encontro regular para os fins de noitadas, latas e garrafas de cerveja espalhadas, um pouco de calor que combatesse o frio da madrugada e amenizasse as ressacas. Afinal, pensei eu, a chama da revolução tem uma utilidade prática.


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