Uma imagem da nossa miséria colectiva

Manuel Vaz (em Paris) — 14 Abril 2009

oliviermassonnaud72dpi.jpgUm médico de 72 anos, reformado, assiste em Janeiro de 2009 à reconstituição da morte do seu filho, um ano e meio depois de a polícia lhe ter batido à porta para o informar de que Olivier fora morto por um polícia “que tinha tido de fazer uso da arma”. A justificação da polícia não o convence. Os factos dão-lhe razão, mas a Justiça não se sabe se lha dará.

Olivier Massonnaud, de 38 anos, foi morto em Poitiers, numa noite de Agosto de 2007, atingido a tiro por um agente. Nessa noite, Olivier – divorciado, com um trabalho intermitente de guia turístico, com dois filhos de 10 e 11 anos que vê ao fim de semana – tinha bebido demais. Uma zanga com uma amiga alerta os vizinhos, que chamam a polícia. À janela, Olivier aponta uma faca de cozinha ao próprio pescoço dizendo para a polícia “Não tenho nada a perder”. Resposta: “Força, isso é bom para toda a gente”. Olivier foge pela cobertura do prédio e fica encurralado num pátio, escondido entre uma parede e um carro.

“Sai daí”, grita um agente. Olivier levanta-se com os braços erguidos acima da cabeça, segundo o testemunho de um dos polícias presentes. Um outro polícia dispara e mata-o de imediato com um tiro no peito. Olivier não tinha nenhuma arma.

O autor do disparo não foi sujeito a qualquer exame, permanece ao serviço e goza do estatuto de testemunha no processo. O advogado que o defende afirma que “não há infracção, tudo aponta em direcção a uma legítima defesa”.

Uma época. De vez em quando tropeçamos em factos que são paradigmáticos: são a expressão condensada duma norma, dum modelo. De repente, uma época encarna num acontecimento e nos papéis desempenhados por determinados actores sociais.

A vítima. Um fulano das classes médias, com trabalho precário e falta de dinheiro, que bebe para esquecer. Representa os pequeno-burgueses ameaçados de ruína e de proletarização. Tem todos os traços do desclassificado: álcool, divórcio, dívidas, solidão, vazio de espírito…

A loucura. Na medida em que os problemas sociais gritantes colocados pela sociedade de hoje se agravam sem solução, o sujeito-vítima é levado à beira da loucura. O Estado não só criminaliza a luta social colectiva como conduz a revolta individual para o hospital psiquiátrico.

Os vizinhos. Amedrontados, fechados em casa, bisbilhoteiros, indiferentes, denunciadores. O tecido social solidário está em farrapos.

A polícia.Omnipresente! Está por todo o lado e em todo o lado semeia a insegurança. Soluciona os problemas sociais radicalmente: elimina fisicamente todos os que seguem um comportamento desviante, não respeitador das normas estabelecidas, não conformado com a própria miséria. Eliminar os transviados, os fracos, é coisa “que dá jeito a toda a gente” – diz sabiamente o assassino ajuramentado. É o espelho de um Estado carrasco moldado hoje à imagem do anão Sarkozy.
Veremos pior. Até quando?


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