A repressão tornada espectáculo

Rui Pereira — 30 Maio 2008

paisbascomanif_72dpi.jpgAnunciada no final deste mês de Maio, pelos governos espanhol e francês, com as velhas parangonas triunfais do costume, a (mais uma) prisão do “Número Um” da organização armada basca, ETA, teve um ingrediente novo: a convocação das televisões para a transmissão em directo de alguns rituais do espectáculo dito “antiterrorista”.

A detenção, perto da meia-noite de 21 de Maio, de quatro alegados militantes da organização basca, num apartamento do centro de Bordéus (sul de França), teve direito a interrupção da emissão da televisão espanhola que enviou de imediato equipas de reportagem para o local. O “live” que as forças policiais e militares espanholas e francesas vêm assegurando ao longo dos últimos anos, tem estado normalmente confiado a imagens das próprias polícias que incluem nas suas equipas de assalto agentes operadores de câmara. Das imagens assim captadas, as publicitáveis são depois distribuídas às televisões e agências que realizam o festim adequado e que a todos aproveita.

Desta vez, para as detenções de Xabier López Peña, Igor Suberbiola, Ainhoa Ozaeta y Jon Salaberria, foram convocados os próprios jornalistas. Pelas onze da manhã seguinte às detenções os quatro activistas bascos foram levados ao apartamento, onde se depararam com o circo dos media. As imagens de pessoas algemadas arrastadas por polícias encapuçados, entre gritos e palavras de ordem de “Liberdade para o País Basco”, correram o circuito europeu das televisões, cuidadosamente industriadas pelos políticos do regime e pelas suas polícias, repetindo o estafado diagnóstico que há 50 anos Franco e os seus sucessores clamam: o fim próximo da ETA ou, por outras palavras, a miragem da aniquilação policial em vez da solução política.

Porta-vozes do Partido Nacionalista Basco duvidaram publicamente da relevância dos detidos no suposto organograma da ETA. Mas isso é irrelevante. O grande feito no apartamento de Bordéus parece ser a nova etapa aberta na tecnologia da opressão por franceses e espanhóis: a rentabilização espectacular das suas maquinarias repressivas. Ao júbilo pueril dos ministros de circunstância e aos polícias encapuçados, somam-se os repórteres de plantão. Com o Estado de direito (presunções de inocência, salvaguardas de privacidade dos detidos e arguidos, etc., etc.) dando lugar às velhas cenas do Estado de Direita, o tal que se não vence o que chama “terrorismo” ameaça, pelo menos, vencer o que chama “democracia”.


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