“Presidente de todos os portugueses”… ou de alguns deles

José Mário Branco (Fonte: Rádio Clube Português) — 24 Março 2008

cavaco_72dpi.jpgEmídio Rangel tinha razão quando opinou, salvo erro aquando da primeira eleição de Jorge Sampaio, que “eleger um Presidente da República é o mesmo que vender qualquer sabonete”. Aquilo a que se chama “campanha eleitoral” não passa de facto, neste sistema falsamente democrático em que vivemos, de uma campanha publicitária. Agora vejamos: tratando-se de campanhas publicitárias, há que financiá-las …

Recentemente, um jornalista do Rádio Clube Português (Nuno Guedes) deu-se ao trabalho de ir ao Tribunal Constitucional analisar os donativos recebidos pelos candidatos às eleições presidenciais de 2006. No artigo daí resultante (*), mostra-se que 70% dos donativos para a campanha de Cavaco Silva (1,5 num total de 2,2 milhões de euros) vieram de uma centena de grandes empresários – da banca (20%) e dos maiores grupos financeiros, industriais e comerciais.

E Nuno Guedes revela os nomes dos mais “generosos” doadores:

– dos bancos: o presidente, o vice-presidente e vários administradores do BES; do BCP, Jardim Gonçalves, Paulo Teixeira Pinto e Góis Ferreira; os presidentes do BPP (João Rendeiro), Banif (Horácio Roque), Santander (Horta Osório), BPN (José Oliveira e Costa) e Finantia (António Guerreiro);

– presidentes de grandes grupos de diversas áreas: Mello (José de Mello), Amorim (Américo Amorim), Solverde (Manuel Violas), SGC (João Pereira Coutinho), RAR (João Nuno Macedo Silva), BIAL (Luís Portela), Altri (Paulo Fernandes), Hotéis D. Pedro (Stefano Saviotti), grupo CIN (João Serrenho), Vicaima (Arlindo Costa Leite), Luís Simões (Luís Simões), Pestana (Dionísio Pestana) e Jerónimo Martins (Alexandre Soares dos Santos);

– e ainda, da área da construção civil, Vera Pires Coelho (da Edifer), António Mota (da Mota-Engil) e Diogo Vaz Guedes (da Somague), condenado recentemente por um financiamento ilegal ao PSD.

E resume: “Ao todo, a candidatura do Presidente da República recebeu 2,2 milhões de euros de 345 doações. Cerca de 1,5 milhões (70%) vieram de cem empresários.” Todos estes apoiantes contribuíram com pelo menos 20.000 euros cada um (o máximo permitido por lei é de 22.842 euros).

Foram estes os apoios financeiros daquele que se apresentou como um “candidato apartidário”, desejando ser “o Presidente de todos os portugueses”. Foi com estes apoios que Cavaco foi vendido ao país “como qualquer sabonete”. Quem teve mais dinheiro foi eleito; o segundo classificado (Alegre) foi o que, a seguir, teve mais donativos; a seguir Soares, terceiro no financiamento, terceiro nos votos.

“Candidato apartidário”? Então este notável conjunto de apoiantes é o quê? O que todos eles têm em comum é serem a elite dos gestores do capital e dos grandes empresários. Que interesse poderão eles ter na eleição de Cavaco Silva? É desta afinidade de interesses que nós falamos quando, nos nossos artigos, nos referimos ao “governo do capital” e ao “Estado capitalista”.

É óbvio que Cavaco, depois de eleito, tem de retribuir estes apoios, tem de merecer esta preferência, tem de levar à prática esta cumplicidade.

(*) http://radioclube.clix.pt/noticias/body.aspx?id=6356


Comentários dos leitores

martins 25/3/2008, 9:44

O grande capital é que dá os apoios financeiros aos candidatos presidenciais e partidos políticos.
Esta promiscuidade entre mundo empresarial e política explica por que é que o povo e os trabalhadores são sempre os sacrificados do costume.
Para quem tem (ainda) ilusões nesta "democracia", nos partidos, sejam eles de direita e esquerda, é bom que as perca porque todos eles recebem dinheiro daqui e dali.
A luta passa pela independência face aos partidos e pela revolução social anarquista.

jb 9/5/2008, 22:48

Para se evitar esta cumplicidade os partidos deveriam ter verbas bem definidas, com plafond máximo limitado. Nas legislativas essa verba seria distribuída pelo Estado a todos os partidos aceites pela Comissão Nacional de Eleições. Deveria ser unicamente para divulgação e esclarecimento dos projectos políticos a eleger. Tempos de antena produzidos com os mesmos plafonds para todos.
Afinal será mesmo preciso gastar 2 milhões de Euros para isso? O que ganha a sociedade com isso? Este valor é uma ofensa para a maioria dos portugueses.
Ainda falamos em democracia... eu já nem aplicaria esse termo para o não ofender. Ditadura económica no seu pleno.

John Fogaça 8/9/2009, 16:56

Estou cada vez mais convencido que a monarquia é uma verdadeira alternativa em Portugal. Tendo vivido em Inglaterra, não tenho dúvidas que é um sistema que obriga a uma maior transparência política e, embora o monarca não tenha quaisquer (ou muito limitados) poderes executivos ou legislativos, não deixa de ser um simbolo (de continuidade e apolitico) pelo qual mesmo o mais irreverente e revolucionário cidadão - seja de esquerda ou de direita - tem respeito e ao qual reconhece valor. O grande entrave do movimento republicano em Inglaterra é que a alternativa (um chefe de estado eleito) tem precisamente os problemas abordados acima. Já nem há o argumento do custo (p.e. é mais cara a Presidência Francesa do que a Monarquia Britânica, e a monarquia em Espanha custa ao Estado €9m por ano, comparado com os €16m que custa a nossa presidência da república - fora os custos das eleições e dos antigos presidentes). Disse o primeiro ministro Persson da Suécia (socialista) recentemente que a monarquia é o principal garante da democracia no seu país.


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