Interesses imperialistas acima da pandemia

Manuel Raposo — 21 Abril 2020

As vozes que, acreditando nas ameaças de Trump, davam conta do fim próximo da NATO, revelam-se precipitadas. O mesmo para as que acreditaram na retirada do imperialismo norte-americano dos cenários de conflito militar. O mesmo ainda para quem pensou que a crise sanitária global traria alguma trégua ao mundo.

Pelo contrário, está a tornar-se claro que para os dirigentes norte-americanos a preocupação dos povos com a pandemia é a ocasião óptima para incrementarem as ameaças militares e quiçá tentarem “resolver” alguns dos impasses dos últimos anos.

É o que se vê com o reforço do garrote económico ao Irão; com o envio de forças militares navais para as costas da Venezuela; com o destacamento de tropas norte-americanas para solo europeu (o maior desde a Guerra Fria) a pretexto de “defender a Europa”, sem que nenhum dos povos europeus tenha reclamado tal “defesa”.

É ainda o que se vê com o estrangulamento financeiro da Organização Mundial de Saúde em plena crise sanitária, um passo mais no projecto norte-americano de desarticular os organismos internacionais que, mal ou bem, estabelecem algum grau de cooperação regulamentada entre países e, no caso, alguma protecção aos povos.

O artigo de Manlio Dinucci que publicámos no dia 19 (ver aqui) dá bem conta da verdadeira invasão do território europeu pelos centuriões da NATO, da ameaça que manobras de tal envergadura representam para todos os povos da Europa — e da colaboração vergonhosa prestada, sem rebuço, pelos dirigentes europeus.

Um outro artigo do mesmo autor, que publicaremos proximamente, revela ainda duas coisas: que o combate à pandemia está a servir de cobertura para uma militarização da acção dos Estados; e que a colaboração EUA-UE-NATO se estende para lá da Europa (neste momento, forças navais francesas e britânicas deslocadas para as Caraíbas participam com os EUA, sempre a pretexto da pandemia, numa ameaça de invasão da Venezuela).

Tais decisões foram tomadas em reuniões da UE e da NATO em que participaram os ministros europeus dos Negócios Estrangeiros e da Defesa e os líderes da Aliança Atlântica.

Na parte que nos toca, importa perguntar quem deu aval ao ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, para (numa reunião em Zagreb em 4-5 de Março) envolver o país de novo nessa verdadeira provocação que são as manobras da NATO, a decorrer em Abril e Maio na Europa Central. Qual o sentido de tais manobras senão mostrar — num aviso dado à Rússia e à China, bem como aos próprios dirigentes europeus — que a bota cardada dos EUA não sairá da Europa?

Importa também saber quem autorizou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a encarregar o general norte-americano Tod Wolters de “coordenar o apoio militar necessário para combater a crise do coronavírus”, como foi decidido na reunião da NATO tida em 2 de Abril. Que significa este “apoio militar” no combate a uma crise sanitária senão que, na iminência de uma crise política generalizada, será a NATO a chamar a si as rédeas do poder, isto é, a militarizar a vida dos povos europeus?

Numa altura em que os povos do mundo e da Europa se debatem com a crise sanitária, em que milhões de trabalhadores são despedidos ou vêem os salários reduzidos, em que a pobreza está a aumentar; numa altura em que todos os recursos orçamentais deveriam ser canalizados para reforçar os serviços de saúde e combater a pobreza — é nessa altura, precisamente, que os líderes da UE, da NATO e dos EUA se põem de acordo para esbanjar milhões em manobras militares e ameaças de guerra.

Os apertos orçamentais de um lado e o esbanjamento do outro dão conta das prioridades que estão em causa: assegurar acima de tudo — e, se necessário, com sacrifício de tudo — os interesses de poder e de dominação das potências europeias e dos EUA.

É altura de voltar a unir forças para denunciar o papel criminoso e reclamar o fim da NATO. De exigir o regresso a casa de todas as tropas portuguesas em missões no estrangeiro e de canalizar as verbas aí gastas para a saúde pública e o bem estar. De reclamar que o governo português, em vez de fazer de moleque da NATO, dos EUA e das potências europeias, conduza a política externa pelas regras da igualdade e da solidariedade entre os povos.


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