Tanta gente sem casa

M. Raposo — 6 Janeiro 2008

semcasamanif2_72dpi.jpgUm estudo elaborado pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa por encomenda do governo dá conta de que a falta de casas em Portugal se cifra em 200 mil fogos. A este défice acrescem ainda 190 mil fogos em mau estado, habitados, que necessitam de reparação.
Os males do parque habitacional não se ficam infelizmente por aqui. A sobrelotação de habitações atinge 500 mil fogos em todo o país. É uma realidade escondida de vistas mas das mais terríveis, que se traduz em modos de vida insuportáveis pela acumulação de pessoas (ou famílias diferentes) em espaços incapazes de satisfazer mínimos de conforto e de dignidade.

O estudo, orientado por Nuno Portas, Augusto Mateus e Isabel Guerra, confirma assim carências que se arrastam há décadas sem solução. A partir deste diagnóstico, o objectivo anunciado do governo é preparar um, assim chamado, Plano Estratégico da Habitação, que conterá, segundo os propósitos oficiais, novas políticas públicas de habitação e regeneração urbana. Há, porém, todas as razões para desconfiar das medidas desse Plano.

A liquidação da política de habitação social, levada a cabo desde o final dos anos 60 pelo Fundo de Fomento da Habitação, foi iniciada por um ministro socialista, Eduardo Pereira, e teve como primeiro marco a extinção do referido FFH em meados dos anos 80. Acabou-se assim com um factor que limitava a entrada em força do capital privado na área da construção habitacional, ao ritmo e com a importância que hoje se conhecem. A habitação social então promovida pelo Estado tirava partido de terrenos baratos, expropriados por utilidade pública, e limitava em certa medida os custos de construção. Esta oferta pública retirava parte do mercado aos privados, uma vez que se dirigia não apenas a camadas populacionais com menos posses mas também a uma gama larga de classes intermédias.
Com o fim da promoção directa de habitação pelo Estado e com a abertura do crédito para fins habitacionais a toda a banca, iniciou-se um período de ouro da finança, da construção civil e da especulação fundiária. E, correspondentemente, do endividamento das famílias portuguesas. Quem adquiriu casa própria tem hoje em média 32,2% dos seus rendimentos destinados às prestações do empréstimo. Mas esses ainda são os que podem beneficiar do crédito bancário. Pior é a situação dos 20% da população que não tem possibilidade de acesso ao crédito e que o Estado deixou à sua sorte em nome dos interesses da aliança entre a banca e a construção civil.

Os anos de ouro parecem porém estar a chegar ao fim. O sinal dado pela crise do crédito de risco norte-americano é um toque de clarim. O terreno da crise está preparado, também entre nós. Hoje, no país (não obstante as carências referidas, o que mostra bem a irracionalidade do sistema), há um largo excesso de construção nova não vendável. Ao mesmo tempo, acentua-se a degradação do património mais antigo, que se vai tornando um capital cada vez mais desvalorizado. É por este facto que, nos últimos anos, os alertas dos entendidos vão no sentido de tentar direccionar os investimentos para a recuperação do património degradado e não para aumentar mais o parque, já saturado, da construção nova. Daí, também, o acento posto pelo governo na “regeneração urbana”, de que as Sociedades de Renovação Urbana são instrumentos já em marcha.

Esperemos pelo Plano, que estará pronto lá para Março. Mas nada aponta no sentido de responder às necessidades dos 20% de portugueses que não podem ter casa sem apoio público. Nem dos que vivem em meio milhão de fogos superlotados. Nem dos que ocupam 190 mil casas degradadas. Pela razão simples de não serem “solventes”.


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