José Mário Branco

20 Novembro 2019

Da via artística de José Mário Branco falam sobretudo as canções, os concertos, as obras editadas, as produções feitas com outros artistas. E ainda a sua vasta colaboração em acções políticas e em actos de solidariedade, desde os anos de emigrado aos agitados tempos do Portugal libertado da ditadura. Esse é o legado que vai ficar, em registo físico e em testemunhos.

Mas cumpre realçar também o que tende a ser esquecido, ou deixado num plano de sombra. Apesar de ter dito de si próprio que nunca foi um político, José Mário Branco foi sempre, à sua maneira, um militante político. Desde cedo terá visto que é a acção política (mesmo através de canções e concertos) a alavanca da transformação social. Intervir foi, por isso, o seu impulso permanente.

Jovem, participou na acção católica. Passou pelo PCP. Refugiado em França, actuou junto de emigrantes e exilados, viveu o Maio de 68. Após o 25 de Abril integrou o PCP(R) e a UDP, formou o GAC-Vozes na Luta, colaborou com a revista Política Operária, foi um dos fundadores deste jornal Mudar de Vida em 2007. Fez parte, desde 2004, da comissão organizadora do Tribunal Mundial sobre o Iraque.

Mesmo na maré baixa das lutas sociais, quando a chamada canção de intervenção perdeu terreno, não se deixou apagar como criador, nem enveredou pela cançoneta ao gosto geral. O seu concerto “Mudar de vida” (2007, no vigésimo aniversário da morte de José Afonso) é disso prova — um libelo contra o marasmo e o conformismo, uma exortação à mudança.

Não se pode saudar o autor, o músico e o cantor sem, do mesmo passo, evocar a memória do agitador, do inquieto, do agente da revolta.

A sua obra deixa marcos para hoje e para amanhã. Quando novas ondas de acção popular sobrevierem, e elas virão, o legado de José Mário Branco será seguramente retomado por novas gerações de cantautores — igualmente activos, militantes, agitadores, inquietos e empenhados.

(Enquanto escrevíamos estas linhas, alguém passou na rua a assobiar “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.)

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Velório: Voz do Operário, Lisboa, quarta-feira a partir das 17h00 e quinta-feira a partir das 11h00. Funeral: cemitério do Alto de S. João, Lisboa, quinta-feira, 17h30.


Comentários dos leitores

leonel clérigo 20/11/2019, 16:41

A CANTIGA É UMA ARMA...
Várias vezes perguntaram ao José Mário Branco porque não voltava ele à sua música de “intervenção” e porque se mantinha afastado dos palcos. A resposta saiu clara e lúcida - como era seu hábito - numa entrevista que deu:
“Agora, não sei muito bem o que hei-de dizer? No estado em que esta porcaria está, não sei muito bem o que é que hei-de dizer?…Esta coisa podre em que a gente vive agora, este mundo tão feio…
É uma espécie de falta de assunto…No estado em que esta porcaria está não me sinto bem a cantar as coisas do costume…”
É isto o “Zé Mário”. E não lhe “adocem” o discurso. Deixemo-lo em paz com ele próprio.


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