Os “nossos homens” nos palcos internacionais

Urbano de Campos — 19 Julho 2018

A eleição, em final de Junho, de António Vitorino como director-geral da Organização Internacional das Migrações, um organismo da ONU, renovou por uns dias a vaidade nacional sobre papel desempenhado “lá fora” pelos “nossos homens”. A lista já vai longa, de facto, o que leva a saloiice dos meios de comunicação e dos dirigentes políticos a descobrir dotes especiais na alma lusa.

Freitas do Amaral foi presidente da Assembleia Geral da ONU em 95-96, Jorge Sampaio foi nomeado em 2006 Alto Representante das Nações Unidas na luta contra a tuberculose e para o “Diálogo das Civilizações”, Catarina Furtado foi nomeada em 2000 “Embaixadora da Boa Vontade” do Fundo para as Populações, António Guterres é secretário-geral das Nações Unidas, Mário Centeno lidera o Eurogrupo. Sem esquecer a escolha de Durão Barroso, com a ajuda do amigo George Bush, para presidente da Comissão Europeia.

Nem todos afinam certamente pelo diapasão de Barroso, que foi o homem de mão dos norte-americanos encastoado num dos principais órgãos dirigentes da União Europeia. Mas as virtudes que são cantadas sobre a “importância” de ter gente “nossa” em lugares daquela ordem estão nos antípodas da realidade.

O exemplo de Barroso conta não apenas pela venalidade política que demonstrou e pelo rumo rendoso que o cargo lhe permitiu dar à vidinha, uma vez terminada a tarefa. Conta sobretudo pelo facto patente de ele ter sido não mais do que um agente submisso dos interesses que se cruzavam na cúpula dirigente europeia. Como ele bem sublinhou, não estava no cargo para fazer jeitos a Portugal.
O mesmo se passa no plano político com Guterres e com Centeno.

Basta lembrar, no caso de Guterres, ainda ele mal tinha aquecido o lugar, o despedimento sumário de Rima Khalaf, secretária executiva da Comissão Económica e Social para a Ásia Ocidental, por ela ter denunciado o apartheid em Israel. A pressão dos EUA e de Israel foi acolhida por Guterres sem pestanejar — que assim mostrou que não tencionava sair dos carris. Essa pressão revela-se também na permanente omissão da ONU acerca do genocídio dos palestinos que Israel pratica impunemente há 70 anos.
Dir-se-á que a coisa não é de agora; mas então há que reconhecer que a “nova era” das Nações Unidas propalada com a eleição de Guterres não passou de uma cortina de fumo — e o “nosso homem”, uma vez “lá fora”, é igual aos outros. (*)

Centeno segue o mesmo caminho. Três meses depois de ter sido empossado no Eurogrupo, o homem que ganhou a fama de ter enfrentado as políticas de austeridade desse mesmo Eurogrupo, advertiu Portugal de que o aperto tem de continuar, dando sinal de que a “recuperação” de rendimentos das classes assalariadas chegou ao limite. Foi uma espécie de prova de confiança que prestou perante as forças que realmente mandam na UE.
E, semanas depois, tratou de dar lições de “disciplina orçamental” à Grécia, avisando que “voltar atrás não é opção” — significando com isso que a austeridade, sob fiscalização apertada da UE (todos os 3 meses), continua a ser a Via Dolorosa dos gregos para os próximos anos.

Um mínimo de seriedade deveria obrigar os propagandistas oficiais a fazer um balanço dos actos das estrelas que tanto aplaudiram. A começar pelo presidente da República e pelo primeiro-ministro. Ninguém o faz porque todos já antecipadamente sabiam que o caminho da submissão aos grandes interesses não tinha alternativa, nem era isso que se procurava com a promoção de figuras nacionais aos palcos internacionais.

O louvor unânime a tais promoções traduz a satisfação das classes dominantes portuguesas por terem representantes seus nos fóruns onde se negoceiam vantagens e se decidem políticas. Não porque pretendam mudar nada de essencial, ou mesmo de acessório, dos rumos seguidos — coisa que se decide a outros níveis — mas porque essa colaboração reforça a integração da burguesia portuguesa no concerto capitalista internacional.

Se a burguesia colonial portuguesa ainda tinha alguma margem de manobra face às suas concorrentes — pelo facto de ter colónias suas e dominar um Portugal fechado por fronteiras e taxas aduaneiras — a burguesia pós-colonial, moderna, cedeu essa sua fraca autonomia a troco de ser integrada na família da burguesia imperialista europeia. Ficou a seu cargo o papel específico de levar a cabo, no seu território tradicional, a exploração da massa trabalhadora que aqui vive e de aplicar por cá as regras ditadas pelos interesses comuns dessa burguesia internacionalizada.

A interdependência dos ramos “nacionais” do capitalismo de hoje forja uma casta de dirigentes de vocação internacional a que as estrelas portuguesas também pertencem. Na quota-parte da importância de cada ramo, claro.

(*) Para quem queira recordar, em toda a linha, a genuflexão de Guterres no caso Khalaf, ver a notícia do Expresso da altura, aqui.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 23/7/2018, 17:56

Quem viu na televisão a entrevista dada por António Vitorino ao canal 3 reparou certamente numa resposta impressionante do entrevistado; ao ser-lhe perguntado qual era a prioridade desta sua nova missão respondeu: «fazer com que morram menos refugiados no mediterrâneo». Grande herói, ele não vai tentar que não morra mais nenhum refugiado naquele mar revolto, mas sim que morram menos. Pensamento profundo de um cérebro português.


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