Criminosos e cúmplices no ataque à Síria

Manuel Raposo — 15 Abril 2018

O bombardeamento da Síria por parte dos EUA, Reino Unido e França, na noite de 13 para 14, não espanta ninguém. Ele foi o segundo acto da fantochada iniciada pelo governo britânico com o caso Skripal. De facto, a representante dos EUA na ONU (o robô Nikki Haley), quando falou sobre o suposto envenenamento do ex-espião, enunciou logo os alvos em toda a sua extensão: Síria, Rússia, Irão.

Mesmo nas vésperas do ataque militar (no dia 12), o secretário da Defesa dos EUA, o general James Mattis, falando diante de uma comissão do Congresso, afirmou que ainda “não tinha provas reais” do ataque com armas químicas de que os sírios são acusados, e que esperava que os inspectores da OPAQ (Organização para a Proibição de Armas Químicas) as encontrassem.
Mas isso, como se viu, não foi razão para impedir o ataque. O que mostra a premeditação de todo o caso. Mais: é legítimo pensar que a possibilidade de os inspectores não encontrarem provas nenhumas terá sido, pelo contrário, um incentivo para que o ataque fosse desencadeado desde já.
Este procedimento denuncia a fragilidade das acusações feitas ao governo sírio. Antes que os inspectores cheguem a conclusões a ameaça fica concretizada. É o completo espezinhar do direito internacional que a carta da Nações Unidas consagra e a redução da ONU a um espantalho sem qualquer papel efectivo.

Estamos, pois, perante uma versão “melhorada” das Armas de Destruição Massiva de há 15 anos no Iraque. Na verdade, agora basta lançar a acusação — não são precisas “provas”, nem sequer falseadas.

O duo que destruiu o Iraque (EUA e RU) e o trio que destroçou a Líbia (EUA, RU e França) ensaiam agora o mesmo na Síria. Os seus argumentos são fortes do ponto de vista militar, mas fracos do ponto de vista político. É precisamente porque não conseguem ganhar apoios entre os sírios e no mundo árabe contra o regime de Assad — por estarem politicamente desacreditados — que estão a perder a guerra, apesar dos milhões gastos a pagar e armar mercenários, apesar dos “instrutores militares” enviados para o terreno, apesar da divisão que fomentam entre a população síria. Recorrem por isso, sem qualquer pudor, à violência mais brutal, sem escrúpulo de legalidade ou justificação. Usam a ameaça de guerra na sua maior crueza, despida de pruridos diplomáticos: “Atacamos porque podemos fazê-lo”.

Não é a loucura nem a irresponsabilidade que campeiam — é a lógica, a que todo o capitalismo imperialista obedece, de levar a cabo a sua ambição económica e política por todos os meios, inclusive o militar.
E a coisa agrava-se com a crise em que se arrasta o mundo capitalista. É, antes de mais, a hegemonia do imperialismo norte-americano que está em causa. É também a decadência do Reino Unido, que se afunda economicamente e se isola da UE, ficando refém, se mais podia, dos EUA. E é ainda a fragilidade da França, a braços com uma crise social sem solução e que parece ver como única saída fazer render a sua supremacia militar no quadro da União Europeia.

A posição do governo português no caso, bem como a do presidente da República, só pode ser classificada como miserável.
Disse o governo, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros (e o PR repetiu-o tal e qual), que “compreende as razões e a oportunidade” do ataque. Mas quais razões — as do uso de armas químicas, ainda por provar? E qual oportunidade — a de um ataque a mando de Trump, à revelia das Nações Unidas e antes que os inspectores apurassem qualquer coisa?
Brincam com a nossa inteligência.

A frágil resistência do governo e do MNE diante do caso Skripal ruiu por completo diante do caso Síria. Era demais, em coisa de uma semana, António Costa e Santos Silva passarem duas vezes entre os pingos da chuva.
Marcelo Rebelo de Sousa, aproveitou um discurso perante tropas (assinalando o “Dia do Combatente”, em que evocou “memória, orgulho e coragem”) para deixar vincado, usando uma vez mais as palavras do MNE, que se tratou de um ataque desencadeado “por três amigos e aliados”, como se isso fosse razão suficiente para o apoio a um acto de guerra contra um país soberano.

Importa deixar dito — à semelhança do que concluiu a Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque, em 2005 — que este comportamento dos responsáveis políticos portugueses os coloca, como Barroso e Portas há 15 anos, na posição de comparsas de um acto de guerra ilegal à luz do direito internacional, de cúmplices de um crime contra a Humanidade. E não é a estúpida falácia da “amizade” pelos “aliados” que os iliba.
A escola da Cimeira das Lajes deixou discípulos.


Comentários dos leitores

leonel clérigo 15/4/2018, 13:02

Julgo que tudo isto que nos está a acontecer deve-se em grande parte à decadência que foi entrando, de mansinho, pela porta do quintal do Ocidente. Mas há que encarar isto com certa “ética desportiva”: se atendermos ao que é conhecido da História do Homo Sapiens, quantas das suas brilhantes “civilizações” e “culturas” já entraram em decadência? E a “coisa” não tem - apesar dos altos e baixos - ido sempre “para a frente”?…Julgo então já poder dizer-se com alguma segurança e à maneira do Historiador de Arte suíço Heinrich Wölfflin: o “ocidente” já entrou na sua fase “barroca” (ou, talvez até, “maneirista”…)
A decadência do mundo capitalista “ocidental”, não é de hoje. A designada “civilização Europeia” e depois do seu “fogacho” brilhante da “revolução burguesa/industrial”, iniciou sua queda no fim da 2ª Guerra Mundial: entre os aliados “vencedores”, a França ficou “de rastos” e a Inglaterra teve que se apoiar, com a “transferência” do seu Império, na muleta dos USA.
Contra essa decadência, a civilização “ocidental” já vislumbrou uma solução - teórica e prática - que o capitalismo vem, teimosamente, fazendo como o avestruz: o desenvolvimento das forças produtivas ao serviço das necessidades sociais da população do globo e não do “lucro” de "meia-dúzia", um roubo praticado por um "gang" de “multinacionais” imperialistas. São estas, por exemplo e como os analistas da Goldman Sachs observaram referindo que a descoberta de "curas imediatas para doenças", não são óptimas para os negócios já que são más para os “lucros” a longo prazo…Como se costumava dizer, "Quem pensa assim, não é gago..."!
Olhemos com atenção as “figuras”, as “acções” e a “conversa” da Sr.ª Theresa May e dos Srs. Emmanuel Macron e Donald Trump. Por mim, acho que “estamos bem entregues…” Os “sábios” devem ser sempre acarinhados…e a nossa bela “classe média” ocidental, já há muito que está desperta para isso, elegende-os.


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