O síndrome das Lajes

Urbano de Campos — 2 Abril 2018

A forma empenhada e mesmo entusiástica como a comunicação social alinhou pelos EUA e Reino Unido no caso Skripal mostra que as críticas às “loucuras” de Trump (ou do seu émulo britânico Boris Johnson, ministro dos Negócios Estrangeiros) não são para levar a sério. Toda a direita, mas não só, repetiu à letra os argumentos da imprensa e dos fazedores de opinião norte-americanos e britânicos. Como Barroso e Portas que, na cimeira das Lajes em 2003, “viram” todas as provas de que Saddam Hussein era um perigo para o Planeta.

O Público — certamente contando com a experiência adquirida em 2002-2003 em defesa da invasão do Iraque — ganhou para já a dianteira neste novo jogo de vamos-à-guerra. A começar por um editorial de David Dinis, a 27 de Março, em que ele copia literalmente as ideias do New York Times da véspera. Para DD, exultante, “O Ocidente deu um sinal claro a Moscovo” e com isso inaugurou ”uma nova era”. Provas do crime russo? Não interessam: “Deixou de importar se há certezas absolutas sobre o envolvimento do Kremlin”, sentencia DD. Como há 15 anos diria o então director do Público, José Manuel Fernandes.

Na mesma edição, a lamentável Teresa de Sousa, alinha todas as banalidades do arquivo anti-russo (criado desde os tempos da sua militância anti-socialimperalista) para culpar a Rússia de todas as desgraças da Europa e do mundo. Branqueia pela enésima vez o que se especializou em branquear desde sempre: o imperialismo norte-americano, a NATO — como se não existissem as agressões à Jugoslávia, ao Afeganistão, ao Iraque, à Líbia, à Síria.

No dia seguinte, foi a vez de Manuel Carvalho erguer, em pagina inteira, um monumento à imbecilidade. O alvo é o governo, por não ter expulsado nenhum russo. Diz ele que isso prova “isolamento” e “falta de nervo” se comparado com “a prova de lealdade ao que resta do espírito do Ocidente” por parte dos países que alinharam por Londres e Washington.
O argumento de que não há provas do crime também não importa para MC, pois, diz ele, a Albânia e a Lituânia também não têm mais provas que a diplomacia portuguesa e mesmo assim puseram-se do lado de EUA e Reino Unido. A coisa para ele é simples: “ou se está do lado dos nossos aliados, ou não está”. Isto, porque “o Ocidente” tem de fazer “prova de vida” e “mostrar união”. Avisa MC que esta “omissão” de Portugal “expõe o país ao olhar suspeitoso e crítico dos seus parceiros” e “deixa no ar a insuportável imagem de um país ingrato” por “tergiversar sobre os seus deveres de lealdade” depois de ter andado “a pedir ajuda à Europa quando esteve na iminência da bancarrota”. MC prevê mesmo que esta posição de “orgulhosamente só” sujeite o país a “um raspanete”.
É a voz do homem prestável, disposto a todo o serviço, como há 15 anos o foram António Ribeiro Ferreira ou Luís Delgado.

No mesmo dia 28, o historiador Rui Tavares deu igualmente a sua contribuição ao coro. Evitando dizer que britânicos e norte-americanos têm razão (como podia fazê-lo quando tanto tem vituperado Trump e o Brexit?), preferiu outra linha: Putin não é de confiança e nenhum “progressista” pode defendê-lo. Mas, nesta aparente terceira via, RT leva a água ao mesmo moinho. Putin “é um autoritário e liberticida” e “um tirano agressivo”, o que evidentemente não tem paralelo em Trump. O capitalismo russo é o “mais selvagem e plutocrático”, o que faz do capitalismo norte-americano um mar de rosas. Além de que “Putin tem sido o principal desestabilizador do sistema internacional que ainda nos ia dando alguma paz (!) e previsibilidade (!) nas últimas décadas” — o que transforma os acima citados ataques da NATO, dos EUA e do RU à Jugoslávia, ao Afeganistão, ao Iraque, à Líbia, à Síria, em operações ditadas por ordem… do Kremlin.
No meio de tanto dislate, RT acerta num ponto. Diz ele sobre o caso Skripal que “A questão mais importante começou antes e vai muito para além do actual episódio”. E a questão é esta: “Putin tem uma considerável base de opinião a seu favor nas democracias ocidentais”. Se é assim, então fica de novo provado ser a questão do envenenamento uma montagem com efeitos politicamente calculados. Mas isso não se atreve RT a concluir.

Eis a imprensa livre.


Comentários dos leitores

aov 2/4/2018, 14:37

Não tenho dúvidas nenhuma que se a Rússia fosse um país como o Iraque ou outro com a dimensão do mesmo a esta hora a CEE/UE/NATO/USA e satélites já estariam a descarregar bombas sobre a sua capital como aconteceu com o Iraque. Como a Rússia tem uma dimensão maior e é uma potencia militar mundial estes países fica-se pela expulsões de diplomatas que é o que podem fazer. Se por acaso desencadeassem uma guerra à Rússia ela podia transforma-se numa guerra mundial. O Governo luso também actuou com algumas percalções chamado o embaixador em Moscovo para consultas por que a economia lusa depende muito do turismo e a Rússia dá também muitos turistas a Portugal e não quis alinhar com os convivas europeus em matéria diplomática expulsando diplomatas o que seria seguida pela Rússia na mesma moeda dificultando o import/export que seria muito prejudicial a campanha lusa na Rússia. De qualquer maneira o governo alinhou com linha Ocidental ainda que fosse criticado pela direita PSD/CDS mais extremista.Quanto ao Bloco e ao PCP também ficaram rendidos à posição do governo.O Bloco diz que não há provas por enquanto mas se houvesse era a favor da expulsão.Quanto é que não vale um lugarzinho no futuro governo.


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