Saúda-se o regresso da luta de classes

Manuel Raposo — 13 Fevereiro 2018

AEgrevePaz social, pôr água na fervura, não ampliar o conflito — todos estes apelos têm servido para tentar acabar com a resistência dos trabalhadores da AutoEuropa à prepotência da administração da empresa. Somaram-se os agoiros de que a Volkswagen se iria embora e deixaria toda a gente no desemprego. Lançou-se o alarme de que o PIB do país viria por aí abaixo. Lamentou-se a falta de um dirigente “com carisma” como António Chora, que conseguiu a proeza de manter sossegados, durante 20 anos, milhares de trabalhadores, à custa de acordos com os patrões da VW sempre acertados à mesa.

O inevitável Carlos Silva, líder da UGT, teve a lata de apontar como origem da actual situação uma “tentativa de assalto ao poder” (visando a CT) por parte de forças não mencionadas, mas que serão a CGTP e o PCP — repetindo aliás o que António Chora disse em entrevista ao Jornal de Negócios em Agosto do ano passado, na véspera da greve dos trabalhadores da AE. Carlos Silva reduziu assim a pó as decisões democráticas dos trabalhadores que, nos últimos meses, sucessivamente, recusaram as propostas da VW, o que mostra bem a natureza e os propósitos do sindicalismo do chefe da UGT.

Não passou pela cabeça deste bancário guindado a líder sindical com o apoio dos seus patrões do BES, nem passou pelas cabeças de todos os demais apóstolos da paz social, que tudo teve origem na administração da VW: no seu propósito de aumentar a exploração dos trabalhadores.
Para toda esta burguesia, os trabalhadores têm de agradecer o trabalho que lhes é “dado” pelo capital. Nunca colocam a coisa ao contrário: o trabalho e o lucro que é dado pelos trabalhadores ao capital.

Se houve quebra da “paz social” foi a VW que a desencadeou, certamente porque achou chegado o momento de pôr fim ao pacto que perdurou 20 anos, calculando que teria condições de dividir os trabalhadores e enfraquecer as suas reclamações. E se há resistência dos trabalhadores é porque eles não querem ser explorados de qualquer maneira e exigem contrapartidas, e para isso recorrem às suas armas de resposta: os plenários, o controlo dos actos dos seus representantes, a recusa de acordos desvantajosos, a greve se for preciso. Chama-se luta de classes.

É este regresso, mesmo tímido, da luta de classes a uma grande empresa que assusta o poder instalado — nos meios patronais, na direita, no governo, no sindicalismo amarelo e reformista. Não só por esta luta em si, mas pelo rastilho que pode representar.
Daí o fogo de barragem alvejando — não os patrões da VW, claro, que o poder considera “no direito” de explorar — mas os trabalhadores, a quem não se reconhece o direito de resistir à exploração sem que se ergam clamores sobre “os riscos” para a “economia nacional”.

Por nossa parte, só temos que saudar a luta dos trabalhadores da AE e desejar que ela sirva de exemplo para muitas outras por todo o país.


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