Adeus, “nação valente”

Manuel Raposo — 8 Janeiro 2018

SaraivaCipQuando em Novembro passado se ultimava o Orçamento do Estado para 2018, falou-se pouco de uma deslocação dos dirigentes da CIP a Bruxelas onde foram “queixar-se” das medidas propostas no documento. Naturalmente, o sr. Saraiva e consortes dizem ter ido “apresentar os seus pontos de vista”. Porém, não é nas exigências da CIP, já conhecidas e sempre as mesmas, que reside o interesse do caso, mas sim no posicionamento político, que a visita revela, do capital industrial no quadro da “Europa Unida”.

Em boa verdade, a CIP foi tentar em Bruxelas que o OE não passasse por bom e, se possível, fosse chumbado. Foi portanto lá fora pedir ajuda para o que não conseguia cá dentro. Teve a acolitá-la internamente o inevitável Passos Coelho, mesmo já reduzido a uma fantasmagoria, e a frenética Cristas, animada pelo estado comatoso do PSD.

Os frutos foram escassos para tanto esforço: a Comissão Europeia apenas voltou a dizer o que tem dito desde 2016 — que as contas passam mas que o “défice estrutural” (leia-se a necessidade de reduzir as despesas de carácter social) não está bem. É, em todo o caso, uma meia vitória da direita, na medida em que a espada dos cortes sociais continua em condições de desferir o seu golpe sobre a cabeça dos assalariados portugueses.

Mas a diligência dos industriais mostra sobretudo como esta burguesia se sente irmã das burguesias europeias e vê nas instituições de Bruxelas as instituições capazes de defender os seus interesses de classe. A Assembleia da República, o debate parlamentar, a posição dos partidos nacionais, a aprovação pelo presidente da República — estão reduzidos à condição de formalismos por enquanto inevitáveis. As grandes forças e as grandes jogadas são lá fora, junto dos pares europeus.
E repare-se que a CIP não fala apenas em nome do grande capital: expressa também a posição do (para não ir mais longe) médio capital, que está hoje igualmente dependente dos laços europeus urdidos nos últimos 30 anos.

O capital industrial revela assim o seu entrosamento com o capital europeu, do qual é parte integrante e com o qual se encarrega de levar a cabo a exploração comum dos assalariados portugueses. Estamos, pois, longe de uma burguesia “nacional” em conflito com o capital “internacional”, longe de uma suposta “colonização” do capital português pelo estrangeiro. Esta burguesia, portuguesa de nascimento, faz parte desse capital internacional e os conflitos que possa ter com as demais burguesias não põem em causa a sua pertença a uma mesma família.

A consonância do PSD e do CDS com a CIP neste episódio do OE apenas traduz o facto de — a par de uma fusão de interesses entre o capital português e europeu — se ter criado também, necessariamente, no plano da representação partidária, uma corrente política “europeia” para a qual os interesses próprios do país só contam na medida em que se integrem nos grandes desígnios do capital europeu.

Efeitos da “integração europeia”. Nada de admirar se, cada vez mais, a burguesia portuguesa for queixar-se a Bruxelas. E se os Passos Coelho e as Cristas cuidarem de se aperfeiçoar como altifalantes dos Schäuble e dos Juncker.


Comentários dos leitores

leonel clérigo 10/1/2018, 12:08

UM MUNDO PACÍFICO…OU CONTRADITÓRIO?
Diz MR que o “nosso” capital industrial “juntamente” com o capital europeu - do qual “é parte integrante” - exploram em comum os assalariados portugueses. Certo! Mas dito isto assim, sem mais, a coisa acaba por abafar contradições que ficam impossibilitadas de irromper à superfície.
É certo que a “aliança na exploração” existe - são burguesias… - mas que ela seja pacífica, “entre pares” - “em comum” como diz MR - pode isso ter duvidosa existência: o “capital industrial português” - uma espécie de “mulher a dias” que vai “comendo as raspas” do que sobra - não pode - por mais que disfarce - sobreviver em paz e “feliz”. Até porque, sobre ele, cai o peso dum mundo de crescente “aflição” dos nossos dias, muito possivelmente bem expresso no “saco de gatos” em que se transformou o “pacífico” mundo burguês de Abril, ou na “pastelada” em que se transformou o "Popular" e “maior partido da oposição”. “Casa onde não há pão…”
Se olharmos, por exemplo, a Autoeuropa - um “modelo” dominante de relações que fala como um “livro aberto” - o que se vê?
Se vejo bem a coisa, um “automóvel” sem Motor não é nada, é uma “carcaça” inútil por mais “tecnologia” que o habite: precisa então de um par de bois que o faça andar. E quem faz o Motor? Nós, portugueses subdesenvolvidos, adoradores ancestrais do “rentismo” , não o fazemos - nem o simples “motor” da célebre FAMEL era “nosso”… - e, por isso, vem ele “encaixotado” de “outras paragens”, “prontinho” a ser montado no lugar. Mas já “sabemos” fazer o “espelho do retrovisor”, “estofos”…enfim, vários “acessórios” - note-se - segundo o “desenho” também “acordado” por outros. Esta, a “grande” Industria Portuguesa digna dum qualquer ilustre “empresário dos empresários” Saraiva. E que quer isto dizer? Que a ranhosa burguesia portuguesa é “par” da Burguesia Alemã? Que ela “manda vir” com esta, “taco a taco”, nos corredores das “sessões europeias”? Já nos esquecemos do ministro Vitor Gaspar de “joelhos” em frente ao senhor Wolfgang Schäuble como quem pede “batatinhas”?
Lastimo discordar de MR pois julgo que não há “entrosamento” - ligação harmoniosa - mas “dependência” pura e simples. E quando isto acontece, julgo ser difícil “abafar” contradições, mesmo por mais “secundárias” que sejam. E a política não as pode “esconder”, visto ser também feita delas…
Quando MR fala de “consonância” - que precisa ser concreta e não mera palavra - obriga-se, por isso, não só a descrever o largo Universo de interesses “concretos” entre as burguesias desenvolvidas e as subdesenvolvidas dependentes - como a “nossa” - mas também a não deixar em branco as contradições que parecem irromper sempre que há “subjugados” ou, pelo menos, “ascendência incontestável”: a subdesenvolvida burguesia portuguesa sabe também que tem atrás de si um mundo de assalariados que, um belo dia, se podem “aborrecer” com tamanha “treta” diária… O “25 de Novembro de 75” - uma das “chaves” desta questão - está ainda por desvendar: a dominação interna da burguesia portuguesa é frágil e é também a protecção do “guarda-chuva” que a amarra à Europa. Com o 25 de Novembro, comprou um cão “democrático”…o que pode não ser sempre a melhor “defesa” contra um qualquer eventual “assalto” à casa do subdesenvolvido.


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