O anjo da guarda

27 Novembro 2017

Não há muito tempo, os meios da direita falavam com insistência de que “o país” precisava de um líder com carisma para “pôr ordem nisto”. E o facto é que a ideia toca muita gente do povo, farta de compadrio, de corrupção, de enriquecimentos desbragados, descrente de uma democracia que só serve ricos e poderosos. É uma ilusão que se paga cara, como se viu entre 1926 e 1974.

As cinzas de Pedrógão e de Oliveira do Hospital adubaram este terreno. Marcelo Rebelo de Sousa viu aí a sua oportunidade, apresentando-se como anjo da guarda do povo desvalido. Não só distribuiu abraços lacrimosos — fez-se porta-voz dos que “não têm voz”, numa versão adoçada dos apelos à “maioria silenciosa”.

Diante da impotência do governo e das instituições, que deviam responder à catástrofe e não responderam, prometeu soluções de que ele não dispõe. Usou a retórica para colmatar as falhas práticas do Estado de que ele é parte. Mostrou-se decidido nas palavras para esconder a inoperância que também é sua.

Quem alguma vez acreditou no seu desinteresse por um segundo mandato presidencial tem ocasião de perceber melhor o embuste. A sua frenética “actividade” desde que pôs o pé em Belém dá conta da ambição de aparecer como líder acima de partidos e facções — como o homem providencial a que o regime, na sua decadência, aspira.

Os homens providenciais são isto mesmo: demagogos, os que dizem ao povo o que o povo gosta de ouvir, os que medindo as fraquezas do povo se arvoram em seu braço direito. Marcelo é o modelo do demagogo. Tanto se exibe de peito feito mergulhando nas águas do Tejo para citadino ver, como põe a capa do franciscano prometendo passar o Natal com a gente desamparada que perdeu a casa, para que os “rústicos” lhe fiquem gratos.

Não é de anjos da guarda que o povo precisa — precisa de independência, de capacidade própria de combate para exigir aos de cima que cedam, se necessário pela força e pelo medo, às carências de quem vive de trabalhar e se vê sem nada da noite para o dia, por desleixo dos que são pagos com o seu trabalho. Quando se ouvir dizer que Portugal não tem populismo de direita, atente-se bem.


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