À falta de melhor, chamemos-lhes aproveitadores

Manuel Raposo — 2 Abril 2016

MariaBelemDepois dos escandalosos aumentos de vencimentos de três administradores da Autoridade Nacional da Aviação Civil, decididos pelo governo PSD-CDS nas suas últimas semanas de depredação (caso referido por Pedro Goulart em texto de 2 de Fevereiro), vieram a público outros dois exemplos do mesmo tipo de aproveitamento, “legítimo”, das vantagens dadas pelo poder e pelos altos cargos públicos: o da candidata à presidência da República Maria de Belém e o da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque. Será interessante perguntar por que razão a ilegalidade e a imoralidade invocadas por vários quadrantes estão destinadas a morrer sem efeitos práticos.

Todos se lembram do episódio final que ajudou a tramar a campanha presidencial de Maria de Belém. A senhora, mais umas dezenas de colegas deputados, requereram em surdina ao Tribunal Constitucional que lhes confirmasse o direito a uma pensão vitalícia pelo exercício passado de cargos públicos — e tiveram o TC do seu lado, arrecadando mais essa tença.

Diante da justíssima indignação do português comum que paga impostos, recebe mal, tem empregos precários, etc. etc., a resposta de Maria de Belém e dos seus correligionários de campanha refugiou-se no argumento de que não cometera nenhuma ilegalidade, como de resto ficava provado pela decisão do TC. Já antes, no curso da campanha, quando os adversários a acusaram de acumular cargos públicos com empregos privados (na mesma área da Saúde), a candidata respondeu com igual candura: não violei nenhuma lei.
E de facto é verdade: nem num caso, nem noutro, Maria de Belém terá infringido a lei. Nem ela, nem uma data de outros figurões que praticam a mesma arte.

Mas é aí precisamente que a questão ganha interesse. O problema não está na “imoralidade” (como então se ouviu) nem da “ilegalidade” do procedimento — o problema está na legalidade que o sistema político confere aos ganhos indecorosos desses especiais “servidores do Estado”, na manjedoura do Orçamento, por conta do “serviço público” que exercem por uns quantos anos.
Uma chusma de aproveitadores — no estrito limite da lei, e a coberto da lei — tiram partido, como é sabido, dos cargos que exercem para obterem todos os benefícios que o sistema lhes proporciona: não só os vencimentos dos cargos, mas os contactos privilegiados que lhes permitem acumular funções ou saltar mais tarde para empresas privadas.

À face da lei não são atacáveis. Tecnicamente não são corruptos. Esta é uma outra categoria de gente, que vive das instituições e do sistema legal que eles próprios afeiçoam e ajudam a manter. É o destacamento da classe dominante que exerce funções políticas, mas que não quer ficar atrás daqueles outros, da mesma classe dominante, a quem prestam o tal “serviço” chamado “público”.

A vidinha destes aproveitadores fica igualmente bem ilustrada pela contratação recente da, até há pouco, ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque por uma empresa internacional “gestora de dívidas”, a Arrow Global, cujo negócio é comprar dívidas por baixo preço e cobrá-las depois com lucro. Para isso, precisa evidentemente de conselheiros bem informados sobre a situação das empresas em causa, papel que Albuquerque pode desempenhar como ninguém. Mais uma vez, não haverá ilegalidade; e a “imoralidade” ficará… com quem a pratica.

Apesar do escândalo evidente de tudo isto, quer as suspeitas de ilegalidade, quer as acusações de imoralidade se mostram, nestes casos, perfeitamente ineficazes — pelo facto simples de a lei estar escrupulosamente montada para os permitir, e a moral não contar para nada.


Comentários dos leitores

leonel clérigo 4/4/2016, 11:41

Quando MR refere que “Será interessante perguntar por que razão a ilegalidade e a imoralidade invocadas por vários quadrantes estão destinadas a morrer sem efeitos práticos.” estava enganado. Afinal, as notícias vindas hoje - segunda-feira 4 Abril - a público - e com “larga difusão” sobretudo no “Público” e “Expresso” - desmentem aquela afirmação de MR o que quer dizer que, ao longo da História do Homem, nunca houve sistema mais “Democrático” e defensor dos “Direitos Humanos”, tão repleto de “legalidade” e “transparência” como o Capitalismo. É certo que a grande maioria do mundo de hoje vai continuar “subdesenvolvida” e não se pauta - “ainda” - pelos eternos valores das “sociedades de troca” o que “borra um pouco a pintura”. Mas há que ter paciência: não se pode ter tudo na vida.
1 - O jornal Público, “espeta” logo na primeira página a “foto” de Putin que, como todo o mundo sabe - incluindo José Milhazes - é o verdadeiro “totalitário” que “hegemonizou” toda essa malandragem que foge ao fisco em tudo o que é “offshore”. O “Expresso”, do nosso “Bilderberg” Balsemão/SIC, vai ainda mais longe na sua “moralidade”, como convém a toda a “imprensa independente”: diz que se está a preparar para dar os nomes de “todos” os frequentadores portugueses das “ilhas paradisíacas”.
2 - Entretanto, já sabemos o nome dum dos mais importante “fugitivos” da autoridade tributária portuguesa: o “nosso” Idalécio, um “fugitivo” de alto gabarito que, na volta, deixou de rastos as nossas “finanças públicas”. Em suma: o Idalécio e o Putin foram, afinal, as iminências pardas da Escola de Chicago - o Milton Friedman e o Hayek são pura invenção - e o próprio “Consenso de Washington” - mais as 10 do Williamson - apareceu somente para “desregularizar” a “expedição a Marte” em preparação.
3 - Com tudo isto, há uma coisa que me espanta: como é que não se vê mais gente “chalada” a falar sozinha no meio da rua. Valentes portugueses!…


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