A operação de salvamento do governo PSD-CDS

Manuel Raposo — 25 Janeiro 2016

cavacopassosRecuemos uns meses para ter perspectiva sobre os acontecimentos que redundaram na mudança política de Outubro-Novembro.

Em meados de 2013, o governo PSD-CDS passou pela sua pior crise. A política de austeridade sacrificava brutalmente os assalariados, mas mesmo assim “os números” mostravam que os negócios capitalistas cá de casa não tiravam o pé do lodo. A onda popular de descontentamento e de protestos de rua crescia desde finais de 2012 e afrontava cada vez mais directamente o governo e a sua política de austeridade. Tinha passado a letargia inicial que o governo incutira sob a ideia de que “era preciso fazer sacrifícios”. Os sacrifícios atingiam visivelmente as classes trabalhadoras, percebia-se que a austeridade se destinava só a elas, as garantias de recuperação económica e de melhores dias goravam-se mês após mês. A massa trabalhadora apercebeu-se, por experiência amarga, que aos sacrifícios sofridos seguiam-se apenas mais sacrifícios. Terminara o período de graça do governo.

Foi neste ambiente que o capataz da troika Vítor Gaspar se demitiu e que Paulo Portas fez que se demitia “em ruptura total com Passos Coelho”. A direita uniu então todas as forças para manter em funções o governo que melhor servia os interesses de patrões e banqueiros. Cavaco segurou Passos, Passos segurou Portas … e o PS de António José Seguro, “responsável”, avalizou a manobra de salvação do governo que evitou eleições antecipadas — precisamente quando estava no auge o repúdio pela parelha Coelho-Portas.

O movimento popular de protesto, dominado pelas classes médias atingidas pela crise (que, valha a verdade, já se dariam por satisfeitas com uma simples substituição de governo que aliviasse a parcela de austeridade que lhes cabia), sentiu-se defraudado e afundou-se, com a convicção de que não havia maneira de mudar a situação.

A massa trabalhadora, sobretudo a operária, essa continuava a ser despedida aos magotes, ilustrando bem o processo de liquidação do capital produtivo e desmentindo o palavreado oficial sobre uma “recuperação” a prazo. Tirando alguns casos assinaláveis de greves com cariz de classe (Efacec e Renault-Cacia, no início de 2015), a massa proletária não pôs a sua marca nos protestos de rua — porque não teve, e ainda não tem, a independência política face às classes médias que lhe permitisse arvorar as suas exigências próprias e ser ela a ditar o rumo dos acontecimentos. Nestas condições, ficará sempre dependente das deambulações políticas de forças como o PS, no qual, à falta de melhor, se concentram todas as esperanças de “mudança”, por mais irrisórias que sejam.
Lição: 1) o PS foi peça determinante para que a trupe Coelho-Portas levasse até ao fim a sua política “ainda mais além do que a troika”; 2) greves, paralisações, acções de protesto contam sempre, mas não irão além de actos simbólicos de resistência se os trabalhadores não reganharem a noção de que é pela sua intervenção política própria que o rumo do país pode mudar.


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