Apoiemos o povo grego

12 Julho 2015

1. O voto esmagador do povo grego no passado dia 5 foi dirigido contra a austeridade e contra a ditadura das potências europeias. Significa uma movimentação para a esquerda de uma larga parte das massas populares gregas, maior ainda do que nas eleições de Janeiro que deram a vitória ao Syriza.

Esta situação é inédita na União Europeia. Apesar de ser um pequeno passo se tivermos em conta as reais necessidades das massas trabalhadoras e a enorme força do capital, é um importante passo em frente para devolver a confiança ao movimento popular e para reerguer a luta anticapitalista.

2. O sonoro “Não à austeridade, não à submissão, não à chantagem, não ao medo” do povo grego veio recolocar as coisas no devido pé: o que está em curso é uma luta política e não uma disputa financeira à volta de números. De um lado estão os trabalhadores gregos que rejeitam ser esmagados a pretexto de dívida; do outro estão a maiores potências capitalistas da UE que fazem da dívida um meio de exploração e submissão dos trabalhadores.

3. Desde que o Syriza venceu as eleições, a UE montou um plano de acção para fazer ceder ou derrubar o governo grego, com o fim de mostrar a todos os povos nas mesmas condições que não admite contestação à política de espoliação. Interferiu por todos os meios (e com todas as vozes do espectro político do poder) para chantagear e vergar os eleitores gregos pelo medo. Esta sanha própria de tiranos mostra que a apregoada democracia da UE é um verniz sem espessura e que as suas instituições não suportam o mínimo abalo, nem mesmo vindo da parte de um programa moderado como é o do Syriza. A ditadura do capital — presente na política, nas instituições e nos porta-vozes da UE — fica à vista.

4. Pela segunda vez em seis meses a UE foi derrotada, quer no plano interno grego, quer, por reflexo, no plano europeu. O capital grego e o capital europeu na Grécia não têm neste momento os seus normais representantes no poder em Atenas. Mais: as suas forças de reserva (a Nova Democracia e o Pasok) voltaram a ser desgastadas pela derrota de dia 5. Isto prova de novo que a base de apoio das forças burguesas tradicionais (as classes médias) entrou num processo de dissociação, desertando e descalçando os partidos do capital, desde a direita ao chamado centro-esquerda. A persistência da crise económica só tenderá a acentuar este processo, facto que em termos objectivos abre campo à acção das forças revolucionárias.

5. A questão que agora se coloca na Grécia é como pode e como vai prosseguir este movimento de deslocação à esquerda das massas populares. Só pode prosseguir se a resistência à austeridade evoluir para uma luta anticapitalista; se a esquerda revolucionária se integrar no movimento que está em curso e o fizer avançar ao ponto de as massas trabalhadoras reclamarem um novo sistema social.

6. O primeiro dever dos trabalhadores europeus é declarar a sua plena solidariedade com a luta do povo grego. Sem esse apoio, o povo grego ficará isolado e será mais facilmente derrotado. Mas com o apoio dos trabalhadores europeus não só se reforçará a capacidade de resistência dos gregos como se reforçará a capacidade de todos os trabalhadores da UE para levantarem uma barreira à criminosa política de austeridade.

Nos demais países da UE penalizados pela austeridade, a questão é fazer do exemplo pioneiro dos gregos fonte para levantar a acção dos trabalhadores. Os gregos provaram já que é possível contestar com resultados práticos a austeridade, as ordens de Bruxelas ou os ditames de Berlim. O capital e as instituições europeias que o servem não são imbatíveis — tudo depende da força política que for posta no confronto.

7. Exortamos o movimento sindical e todas as organizações populares a declarar a sua solidariedade com a luta do povo grego e a condenar o compadrio do governo PSD/CDS com as potências dominantes da UE e a sua hostilidade ao povo grego.
As políticas de austeridade dos últimos anos mostraram a oposição frontal entre os interesses do trabalho e os do capital. Há que reerguer a luta anticapitalista, recusando a austeridade, rejeitando pagar a dívida, orientando as lutas de massas para que seja o capital a suportar os custos da crise.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 15/7/2015, 9:37

É caso para dizer que este tipo de exortação à solidariedade dos povos e os apelos às forças sindicais para se empenharem em novas formas de luta já têm barbas. Quanto aos partidos políticos de esquerda actuais a orquestração está também devidamente afinada com crítica permanente mas suave e tolerante para ganhar votos nas eleições e ser respeitados pelo poder burguês como partidos responsáveis. Claro que esta situação política satisfaz os objectivos de todos os intervenientes: mantém-se o "arco da governação" a esquerda conquista mais dois lugares no parlamento e os sindicatos garantem o poder da sua burocracia semi-democrática neste "mercado" burguês que promete o paraíso aos capitalistas e trabalhadores. «Melhor que isto não pode haver».

leonel clérigo 17/7/2015, 17:02

SOL na EIRA e CHUVA no NABAL?
1 - Em minha modesta opinião, julgo certo o que refere este editorial do MV: “... o voto esmagador do povo grego no passado dia 5 foi dirigido contra a austeridade e contra a ditadura das potências europeias. Significa uma movimentação para a esquerda de uma larga parte das massas populares gregas,...” Por isso mesmo, considero que o Syriza acabou por cumprir um aspecto importante dos propósitos de qualquer partido: ajudar as massas populares a fazerem o seu próprio percurso, a dar os necessários “saltos” da consciência colectiva e a sair do enredo que os partidos burgueses forçam ao empurrar as massas populares para uma eterna mediocridade.
2 - Mas julgo também que o Syriza estava desde o princípio da sua governação agarrado pelo pescoço a um verdadeiro “nó cego”, nó que não conseguiu desatar: o povo grego não descortinava ainda a contradição entre o seu desejo de pôr fim à Austeridade e a convicção de querer continuar a fazer parte do aristocrático clube europeu do Capital Financeiro. Em suma: achava possível querer, em simultâneo, “sol na eira e chuva no nabal”. Não consciencializara ainda o povo grego que o “desenvolvimento desigual” faz parte do ADN do capitalismo o que equivale a dizer que os “subdesenvolvidos“ da Europa – os PIGS, agora eufemisticamente designados por SUL - não devem acreditar em “boleias por arrastamento” como pareciam sugerir os belos discursos do “bem-estar” europeu antes da “queda do muro”. O Syriza não conseguiu descortinar que a “Voz do Povo” anda muitas vezes arredada de ser a “Voz de Deus”.
3 - A superação dessa contradição - condição essencial para as negociações terem tido um desfecho que iria “rachar pelo meio” a Europa neoliberal da “ economia política do rentista...”, de que Bukharine fala no seu texto demolidor e muito actual contra a “Escola Austriaca” - não se verificou e o Syriza parece ter apreciado tarde que o que tinha atrás dele era uma incoerência do tamanho duma montanha que, em vez de lhe dar forças perante as “instituições”, mais não fazia que bloquear a sua acção: sem os “pés aquecidos” face ao discurso confuso e contraditória das massas na “rectaguarda”, as ratazanas europeias forçaram-no a capitular no fim da jornada. Isto demonstra que, se a “rectaguarda” não alimenta como deve ser a acção do “exército”, a derrota espreita a cada momento. O Syriza vai pagar por isso.
4 – Mas não se pense que foi este apenas o saldo final do “jogo”: este é apenas o “saldo” visível que os “vencedores” preferem. Julgo haver outro, menos espalhafatoso mas mais corrosivo. As mossas que o Syriza provocou e tiveram o mérito de fustigarem a designada “Europa”, parecem ser irreparáveis: a Europa do “Capital ocioso” neoliberal levou um valente rombo no seu “visual” ideológico “democrático” e a corda que vinha mantendo fechado o “saco de gatos” europeu, rompeu-se. Em minha modesta opinião, tudo isto vai acabar por obrigar a rever, passado um século, o velho juízo certeiro de Lenine: “Os Estados Unidos da Europa sob o Capital ou serão impossíveis ou serão reaccionários” o que quer dizer que a parelha Merkel/Schäuble – que teve o “mérito” de mostrar a impossibilidade de uma Europa do Capital – já não se livram de passarem agora a ser vistos com “bigodes à Hitler”, um cartão de visita pouco recomendável a uma “democrática” Europa. Ao fim e ao cabo, também deram corpo à verdade da segunda parte do juízo leninista: “...serão reaccionários”.


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